sexta-feira, 16 de setembro de 2016

Histórico da pena de morte

HISTÓRICO DA PENA DE MORTE
Arnóbio Felinto Júnior


Neste trabalho traça-se um breve histórico da pena de morte, com a intenção de verificar como foi o tema tratado no tempo e no espaço, desde o Egito Antigo até os dias de hoje. O estudo é relevante, tendo em vista que somente se pode entender o presente com o respaldo do passado.

1 ANTECEDENTES REMOTOS

No Egito Antigo, a organização social era baseada na hierarquia, destacando-se a figura do Faraó. A pena de morte era aplicada às pessoas que ofendessem a divindade e a pessoa do Faraó.

Na Babilônia, em momento posterior, existiram duas fases de suma importância: a da vigência do Código de Hammurabi, que estampou a punição daqueles que cometessem crimes intencionalmente e a da Legislação de Manu, pela qual crime se punia o furto. Por seu turno, os Hebreus atribuíam tal pena aos crimes contra os costumes e a religião, sendo a forma de execução mais comum o lapidamento.

A título de ilustração seguem as referidas legislações.

O Código de Hammurabi, através da Lei n. 1 estabelecia: “Se alguém acusa um outro, lhe imputa um sortilégio, mas não pode dar a prova disso, aquele que acusou, deverá ser morto.” Pela Lei n. 3: “Se alguém em um processo se apresenta como testemunha de acusação e, não prova o que disse, se o processo importa perda de vida, ele deverá ser morto.” Como se pode perceber, era muito perigoso na Babilônia jurar falso em frente de um juiz. Preceitua a Lei n. 6: “Se alguém furta bens do Deus ou da Corte deverá ser morto; e mais quem recebeu dele a coisa furtada também deverá ser morto.” Na Lei n. 11 se lê: “Se o proprietário do objeto perdido não apresenta um testemunho que o reconheça, ele é um malvado e caluniou; ele morrerá.” Mais adiante, a Lei n. 129 estabelece: “Se a esposa de alguém é encontrada em contato sexual com um outro, se deverá amarrá-los e lançá-los nágua, salvo se o marido perdoar à sua mulher e o rei ao seu escravo.” Em seguida, na Lei n. 130: “Se alguém viola a mulher que ainda não conheceu homem e vive na casa paterna e tem contato com ela e é surpreendido, este homem deverá ser morto, a mulher irá livre.”[1] Os estupradores, portanto, se arriscavam a perder a vida.

O Código de Manu, por sua vez, estabelecia na Lei n. 320: “Por haver tirado de homens de boa família, sobretudo mulheres e jóias de grande preço, como diamantes, o ladrão merece a pena capital.”[2]

Na Grécia, a pena de morte atingia, além do culpado, seu cônjuge e filhos. Essa aplicação destinava-se aos crimes contra o Estado e a religião. A execução realizava-se através do afogamento, fogueira, apedrejamento, entre outras formas.

Era comum que, ao aplicarem a pena de morte, os soberanos do Oriente dessem a impressão de agir como criminosos. Assurbanipal, rei da Assíria, que governou de 668 a 626 antes de Cristo, assim descreveu a execução de revoltosos:
Ergui um muro diante das grandes portas da cidade. Mandei esfolar os chefes da revolta e cobrir o muro com as suas peles. Uns foram enterrados vivos na construção, outros foram crucificados ou empalados ao longo do muro. De vários mandei arrancar a pele na minha presença e revestir este muro com ela. Mandei dispor as cabeças em forma de coroas, e os cadáveres trespassados em forma de grinaldas.[3]
No período Romano, aplicava-se a pena capital aos crimes de ordem pública e privada. Na fase de vigência da Lei das XII Tábuas, também chamada simplesmente Lex, ou ainda Legis XII Tabularum ou Lex Decenviralis, este assunto era tratado como coisa sacral e de ordem legal. Puniam-se os delitos praticados à noite, o pastor que invadia terreno alheio, o incendiário ou ainda o homicida comum e aquele que assassinava pai e mãe. A fogueira era pena que já nas XII Tábuas era aplicada ao incendiário que, depois de flagelado, era atado ou cravado a um poste ao qual se punha fogo com um montão de lenha colocado ao redor. Aos parricidas, se negava sepultamento. O condenado previamente açoitado tinha a sua cabeça coberta com uma pele de lobo; depois de calçado com sapatos de madeira era encerrado num saco de couro de vaca, juntamente com uma serpente e outros animais, e lançado às águas.
Seguem algumas leis da Tábua Sétima, Dos Delitos:

3. Aquele que fez encantamentos contra a colheita de outrem,

4. ou a colheu furtivamente à noite antes de amadurecer ou a cortou de madura, será sacrificado a Ceres;

6 Aquele que fizer pastar o seu rebanho em terreno alheio,

7 e o que intencionalmente incendiar uma casa ou um monte de trigo perto de uma casa, seja fustigado com varas e em seguida lançado ao fogo.;

17 Se alguém matar um homem livre e; empregar feitiçaria e veneno, que seja sacrificado com o último suplício;

18 Se alguém matar o pai ou a mãe, que se lhe envolva a cabeça e seja colocado em um saco costurado e lançado ao rio.[4]

Na fase imperial, devido à influência Cristã, a pena de morte foi decaindo e permitia-se a composição em seu lugar. Entre os Germanos, esse tipo de punição vigorava entre os escravos. Existia grande tendência à composição com multas pecuniárias. No Direito Canônico, predominou a proibição do seu uso devido à influência cristã, salvo alguns defensores. No inicio da Idade Média, a pena de morte foi utilizada, a princípio, devido ao aumento da criminalidade nas proximidades das cidades, onde constantemente ocorriam roubos de cargas.

2 INQUISIÇÃO

Com o início da Inquisição em 1232, lançaram-se editos de perseguição aos hereges na Europa. Chamada de Santo Ofício foi instituída como tribunal permanente da Igreja para investigar e combater heresias. A prática de queimar hereges em autos-da-fé foi introduzida nos últimos anos do século XII.

A esta época as punições aplicadas eram diversas: trabalho forçado, prisão perpétua, destruir a casa onde morava o suposto bruxo e mandá-lo para o confinamento em aldeias distantes. Também eram punidos os descendentes dos acusados de heresia, que eram proibidos de entrar em ordens religiosas, não tinham qualquer dignidade pública e não podiam exercer nenhuma função na sociedade, como por exemplo: médicos, tutores de jovens, cobradores de impostos, escrivães, advogados, farmacêuticos, entre outras. Não podiam ainda usar ouro, prata, seda, pedras preciosas, levar armas ou andar a cavalo.

A pena mais grave era o confisco de bens, que mantinha a Inquisição. A morte era reservada àqueles que se declaravam inocentes da acusação de heresia ou aos que se negavam confessar. Se um réu, antes da aplicação da pena de morte, pedisse para morrer nas leis de Cristo, acabava garroteado e depois queimado, ou então, era queimado vivo.

O referido Tribunal do Santo Ofício foi instaurado em 1236, pelo papa Gregório IX, que temendo as ambições político-religiosas do imperador Frederico II, tomou para si a responsabilidade de perseguir os hereges que começavam a incomodar o alicerce da Igreja Católica, bem como a estrutura dos estados monárquicos de então, que tinham como um dos pontos de unificação de seu território a religião predominante da época. Antes de se instaurar o Tribunal do Santo Ofício, propriamente dito, no início da Idade Média, a Igreja estruturou a sua justiça, limitando-se a uma justiça disciplinar. O seu procedimento era distinto da justiça comum da época, pois sua investigação era secreta e arrancar a confissão do réu constituía-se no âmago da questão. Esta justiça somente era aplicada ao clero. Entretanto, com o IV Concílio de Latrão, de 1216, através do papa Inocêncio III, firmou-se o metodo inquisitio.[5]

Nasce, então, no seio da Igreja católica, o Sistema Processual Inquisitório, onde a autoridade responsável dispõe de poderes para, por sua iniciativa, abrir o processo, colher as provas que julgar necessárias e proceder secretamente no interesse em obter a confissão do réu. É esse sistema processual inquisitório que lançará as diretrizes e norteará todo o funcionamento da Inquisição, através de seus atos, mandos e desmandos em nome de Deus.

2.1 O Tribunal de Deus

Para se instaurar um processo inquisitorial bastava uma denúncia ou uma acusação ao Santo Ofício, pois não adiantava fugir: o Santo Ofício via tudo, se infiltrava por toda parte, até no recesso dos lares. Obrigava os fiéis a se tornarem espiões e delatores e dessa maneira montava uma densa rede de informantes ocultos. Graças a isso, manteve perfeito controle social, exigiu comportamentos, impediu o livre arbítrio, sufocou dissidências.

Esse Tribunal tinha por base o Manual dos Inquisidores, escrito em 1376 por Nicolau Eymerich e Francisco de La Peña. O Manual continha todas as normas, leis e toda sorte de punição que se aplicava aos hereges. Estes eram o alvo principal do Santo Ofício e o Manual os classificava e definia como: os excomungados; os simoníacos (comercialização de bens da igreja); quem se opusesse à igreja de Roma e contestasse a autoridade que ela recebeu de Deus; quem cometesse erros na interpretação das Sagradas Escrituras; quem criasse uma nova seita ou aderisse a uma seita já existente; quem não aceitasse a doutrina romana no que se refere aos sacramentos; quem tivesse opinião diferente da igreja de Roma sobre um ou vários artigos de fé; quem duvidasse da fé cristã.

Instituído sob o caráter religioso, este Tribunal regulava e controlava toda vida cotidiana dos pensamentos dos cidadãos, assumindo uma importância extraordinária, tanto que não raras vezes ele julgou processos comuns que não diziam respeito à ordem eclesiástica, acusando os réus de hereges e submetendo-os aos rigores de suas normas.

Para se instaurar um processo inquisitorial bastava uma acusação, que devia ser registrada, ou uma denúncia anônima - que devia ser precedida de uma caridosa exortação; ou, ainda, por investigação, pela qual se averiguava as informações que chegavam ao Tribunal. Se o indivíduo se apresentasse como acusador, este deveria ser lembrado de que seria inscrito na Lei de Talião. Se, mesmo informado, o indivíduo se mantivesse como acusador, desenrolar-se-ia o processo a partir da acusação. Entretanto, se após receber a informação, o delator não quisesse mais assumir o papel do acusador e declarasse que queria apenas ser o denunciante, com sua identidade ocultada - o que ocorria com mais frequência - procedia-se ao processo pela denúncia. Havia, ainda, um terceiro tipo de instauração de processo, que se constituía no processo pela investigação, pelo qual o Tribunal deveria averiguar os boatos que chegavam aos seus ouvidos.

O processo preferido do Santo Ofício era o processo por delação, já que pelo processo de acusação, se o réu fosse inocentado, o tribunal teria de aplicar a Lei de Talião, punindo-se o acusador dificultando o surgimento de novos delatores, assim contribuindo para a impunidade dos crimes, em prejuízo do Estado.

Dando prosseguimento ao processo são inquiridas e interrogadas as testemunhas, no máximo duas, indo-se o interrogatório do acusado, até o inquisidor conseguir sua confissão, o que se constitui na pretensão máxima da inquisição, pois diante do tribunal da inquisição, basta a confissão do réu para condená-lo.

Embora se tenha a impressão de que no Tribunal do Santo Ofício só existia o lado do acusador, ou melhor, era o Estado contra um indivíduo, sem o direito de defesa, e de nenhum representante para defendê-lo, a verdade é que o Tribunal facultava ao réu formalmente, tal direito, por meio de um advogado, indicado pelo próprio Tribunal, devendo ser honesto, com experiência em direito civil e canônico, e bastante fervoroso. Na prática o advogado de defesa era um elemento decorativo no processo, pois quem o escolhia era o Tribunal, e seu compromisso não era com a defesa do Réu, mas com a obtenção da confissão e arrependimento deste.

Sobre o advogado dita o Manual dos Inquisidores:
[...] se o réu confessar, não há necessidade de um advogado para defendê-lo. Se não quiser confessar, receberá ordens de fazê-lo por três vezes. Depois se continuar negando, o inquisidor lhe atribuirá, automaticamente, um advogado juramentado no seu tribunal. O réu comunicar-se-á com ele na presença do inquisidor. Quanto ao advogado, prestará juramento - e embora já seja juramentado - ao inquisidor de defender bem o réu e guardar segredo sobre tudo o que vir e ouvir. O papel do advogado é fazer o réu confessar logo e se arrepender, além de pedir a pena para o crime cometido.[6]
Deste modo, o réu, não tinha defesa e muito menos um advogado de defesa, pois este se postava do lado da inquisição e não do acusado. Se neste em quase todos os processos inquisitoriais não se a designar um advogado para o réu confessar, pois a confissão era arrancada deste nos interrogatórios, através da tortura.

O uso da tortura para se obter uma confissão foi permitido pelo papa Inocêncio IV em 1252, e “[...] era aplicada sempre que se suspeitasse de uma confissão ou quando era incongruente. Um testemunho era suficiente para justificar o envio para a câmara de tormento. Quanto mais débil a evidência do crime, mais severa era a tortura.[7]

Segundo o próprio Manual dos Inquisidores, a tortura deveria ser moderada, pois o papel do inquisidor não era o de carrasco. Todavia, com o passar do tempo a violência aplicada sob os auspícios do tribunal, tornou-se cada vez mais severa.

Terminada a sessão de tortura, seguia-se o julgamento do réu, a última etapa do processo, que antecedia o auto-de-fé. Os que eram condenados a penas leves - como cárcere e hábito penitencial perpétuo, bem como a flagelação - caminhavam com uma vela nas mãos. Na frente do cortejo seguiam os condenados à morte, entregues à justiça civil para serem queimados vivos. Salientamos aqui um aspecto interessante. Por ser um Tribunal eclesiástico o Santo Ofício não podia executar seus condenados, ou seja, aos olhos de Deus não era a Igreja quem executava, pois a esta cabia apenas julgar. A decisão de validar o julgamento cabia à justiça dos homens; e estes teriam acertos com o Todo Poderoso se não fizessem valer a determinação do tribunal inquisitorial.

Os condenados à morte tinham seus bens confiscados, pois o Tribunal necessitava manter-se e financiar gastos com os presos, como as tochas para acender as fogueiras e com o espetáculo promovido no auto-de-fé.

Havia dois tipos de autos-de-fé: os públicos e os privados. Estes se destinavam aos casos menos graves ou especiais (julgamentos de pessoas pertencentes à alta nobreza); aqueles eram enormes festas populares.

Dispendiosos, os autos públicos realizavam-se anualmente. Construíam-se estrados, utilizava-se mobiliária, decorações. Tinham longa duração, ou seja, duravam o dia todo e, às vezes, dependendo do número de réus estendiam-se até altas horas da noite, chegando mesmo até o dia seguinte. Com o passar do tempo, o caráter festivo e sua ostentação aumentaram, e eram convidados reis, infantes, toda a Corte para assistirem de camarote à execução e humilhação dos transgressores da sociedade. Durante essa festa, os acusados ouviam suas sentenças e os condenados à morte, depois da cerimônia, eram conduzidos ao queimador. Esta festividade iniciava-se com uma procissão dos réus, seguida de uma missa, na qual o teor do sermão era a essência de toda a cerimônia. Das aldeias mais distantes chegavam curiosos a todo momento, apinhando-se uns sobre os outros para ver melhor as roupas, toaletes, cabelos das condessas, das princesas, das nobres damas da corte. Depois de dadas as sentenças, o povo corria para o queimadeira, para ver como se salvavam as almas.

3 A REVOLUÇÃO FRANCESA

Revolução Francesa é o nome dado ao conjunto de acontecimentos que, entre 5 de maio de 1789 e 9 de novembro de 1799, alteraram o quadro político e social da França. Em causa estavam o Antigo Regime (Ancien Régime) e a autoridade do clero e da nobreza. Foi influenciada pelos ideais do Iluminismo e da Independência Americana (1776). Está entre as maiores revoluções da história da humanidade. Esta época é considerada como o acontecimento que deu início à Idade Contemporânea. Aboliu a servidão e os direitos feudais e proclamou os princípios universais de "Liberdade, Igualdade e Fraternidade" (Liberté, Egalité, Fraternité), frase de autoria de Jean-Jacques Rousseau.[8]

O processo de Maria Antonieta, rainha da França deposta pela revolução, ao contrário de um processo inquisitorial precisava de provas para ser iniciado, ou seja, não bastava mais uma denúncia ou uma acusação; necessitava-se de algo concreto, material, um documento que a incriminasse.

Durante sua vida, Maria Antonieta queimou todas as cartas, decretos, bilhetes e toda sorte de documento que a comprometesse às vésperas da revolução. Portanto, como nobre deposta ao Tribunal só cabia o direito de mantê-la sob cárcere. A princípio foi encarcerada no Palácio dos Templários - O Templo, como era conhecido, junto com Luís XVI, seu marido, seus filhos e sua cunhada.

Com a morte de seu marido, guilhotinado sob a acusação de traidor da França, sua vida foi dedicar-se a seu filho Delfim. Sua alegria naquele cárcere era viver para este filho que ela amava e dedicava toda a sua alma. Entretanto, sua vontade de viver foi-se minando a partir do momento que o Tribunal decidiu, por falta de provas para incriminá-la, tirar seu filho de sua custódia. A partir de então essa mãe ficou desolada. Durante o curto período que permaneceu no Templo, consolava-se vendo o filho, secretamente, passear pelo jardim do castelo. Mas a revolução não a poupou, transferindo-a para Conciergerie, que “era o cárcere escolhido para os mais perigosos criminosos políticos. A inscrição no registro de entrada correspondia, afinal a uma certidão de óbito.”[9] Todavia, diferente do que se imagina a convenção, não se pretendia concluir logo o processo de Maria Antonieta, mas sim mantê-la como refém para atingir a Áustria. Entretanto, a sua terra natal não estava nem um pouco interessada em sua sorte. E assim o processo se arrastava, pois o desinteresse da Áustria, bem como a falta de provas que incriminasse Maria Antonieta fazia com que o processo se demorasse cada vez mais. Diante disso dizia o comitê de salvação pública à convenção: “[...] por que razão se faz tanta cerimônia para julgar o tigre austríaco, e se procuram provas para condená-la, quando para fazer-lhe justiça, se devia triturá-la como se faz à carne dos pastéis, para pagar todo sangue que ela fez correr?”[10] Pelo que se vê a violência que iria nortear todo o período do Terror tem a sua origem na indignação do comitê diante da demora de se julgar uma traidora da Revolução.

Embora encarcerada em uma prisão de segurança máxima, Maria Antonieta conseguiu conquistar a simpatia de seus carcereiros, que tudo faziam para agradá-la e tornar menos terrível aqueles dias de extrema solidão. Diante da situação desesperadora da rainha eis que surge uma esperança, Rougeville, amigo de Maria Antonieta, tentou tirá-la do cárcere, livrando-a da prisão, mas “[...] a comuna e o comitê de salvação pública tinham já conseguido saber o nome de Rougeville e já a polícia andava procurando por toda Paris o homem que desejava salvar a rainha, mas, que, em vez disso, na realidade, lhe tinha apressado o fim.”[11] O que faltava para dar início ao seu processo, aconteceu. A partir de agora era questão de agilidade na busca por provas que lhe incriminasse, pois com a tentativa de fuga Maria Antonieta havia assinado sua sentença de morte.

Depois da tentativa frustrada de fuga, Maria Antonieta foi transferida para o extremo isolamento. Ninguém mais podia visitá-la, nem vê-la. Tinham-na submetido ao maior grau de isolamento, não lhe sendo dado nem mesmo o direito a ver a luz do sol. Quando, finalmente, foi chamada a comparecer ante o tribunal “[...] era uma mulher velha, de cabelos brancos, que saía de uma longa noite para tornar a ver a claridade do céu, coisa de que já se tinha esquecido.”[12]

Instaurado o Terror o Comitê não titubeou. Percebendo Maria Antonieta ainda no cárcere sem que lhe tivesse feito a devida justiça, decretou:
Uma mulher, vergonha da humanidade e do sexo, a viúva Capeto, deve expiar finalmente os seus crimes no patíbulo. Já se publica por toda a parte que foi novamente transferida para o templo, que foi julgada e absolvida pelo tribunal revolucionário, como se uma mulher que fez derramar o sangue de tantos milhares de franceses pudesse vir a ser absolvida por um júri francês! Peço que o Tribunal Revolucionário se pronuncie esta semana em relação à sua sorte![13]
4 APÓS A REVOLUÇÃO FRANCESA

Um relato posterior à Revolução Francesa demonstra a preocupação da violência cometida nas penas capitais através do livro de Victor Hugo, O Último Dia de um Condenado à Morte. O prefácio, de 15 de março de 1832, mostra as práticas referentes a guilhotinamentos e a indignação do autor que defende a abolição da pena de morte, discutida até hoje.

Victor Hugo buscou as idéias para o livro na própria Praça da Grève, onde eram realizadas as execuções dos criminosos. Ouvindo o grito de uma sentença de morte e vendo a movimentação do povo, sedento de sangue, o autor presencia o ritual de preparo do condenado (cortar o cabelo, amarrar seu corpo). O sangue do condenado mancha a lâmina da guilhotina, levando-o a sentir-se na obrigação de contar tudo aquilo para a sociedade que estava insensível fazendo negócios, em meio à cena monstruosa.

No livro, o autor expressa sua indignação contra a pena de morte exemplificando um guilhotinamento que ocorreu no dia 12 de setembro de 1831, em Albi.  O executado era Pierre Hébrard e esta execução foi registrada na Gazettte des Tribunaux, jornal que serviu de fonte de pesquisa para Victor Hugo retirar os detalhes que enriqueceram o trecho do livro em que conta esta execução.

Segue a descrição:
[...] lá pelo fim de setembro, foram buscar o homem na prisão onde estava tranquilamente jogando cartas, notificam-no que ele tem que morrer dentro de duas horas, com o que ele começa tremer da cabeça aos pés, pois, depois de seis meses no mais completo esquecimento, já não contava mais com a morte; raspam-no, tosam-no, amarram-no, confessam-no; após o que jogam-no num carrinho de mão entre quatro gendarmes e, passando pela multidão, levam-no ao lugar da execução. Até aqui, tudo muito simples. É assim que acontece. Chegando no cadafalso, o carrasco toma-o do padre, leva-o, amarra-o no básculo, l’enfourne , aqui estou usando a gíria, e solta a lâmina. O pesado triângulo de ferro desprende-se com dificuldade, cai aos solavancos entre os trilhos, e aqui começa o horrível, corta o homem sem matá-lo. O homem dá um grito medonho. Desconcertado o carrasco puxa a lâmina e solta-a novamente. A lâmina entalha o pescoço do paciente pela segunda vez mas não o separa do corpo. O paciente dá urros, a multidão também. O carrasco torna a levantar a lâmina, esperando sair-se melhor na terceira vez. Nada. O terceiro golpe faz jorrar um terceiro rio de sangue do pescoço do condenado, mas não trincha a cabeça. Para encurtar, a lâmina subiu e desceu cinco vezes, o condenado soltou urros sob o golpe e sacudiu a cabeça gritando, pedindo perdão! O povo indignado armou-se de pedras e pôs-se, na sua justiça, a apedrejar o miserável carrasco. O carrasco foge por baixo da guilhotina, lá agacha-se atrás dos cavalos dos gendarmes. Mas a história ainda não acabou. O suplicado, vendo-se sozinho no cadafalso, tinha se levantado da tábua e, em pé, pavoroso, o sangue escorrendo pelo corpo, segurando a cabeça parcialmente cortada que caía no seu ombro, pedia com gritos fracos que viesse soltá-lo. A multidão tomada pela piedade, estava a ponto de forçar os gendarmes e prestar ajuda ao coitado a quem tinham aplicado cinco vezes a pena de morte. É neste momento que um ajudante do carrasco, um jovem de vinte anos, sobe no cadafalso, pede para o paciente virar-se para que ele possa soltá-lo e, aproveitando-se da posição do moribundo que estava se entregando a ele sem desconfiar, pula nos ombros dele e começa a cortar o que restava de pescoço com não sei que faca de açougueiro. Isto aconteceu. Isto foi visto. Sim.[14]
Pelo que foi aqui exposto, percebe-se que os direitos dos homens eram bem pouco igualitários. Não se pode dizer que a guilhotina amenizou a violência, nem se pode negar o alto preço que a humanidade pagou, pois o que pretendia Dr. Guillotin ao amenizar o sofrimento do homem foi comprovado não ser tão eficiente. As discussões sobre os direitos dos homens e da pena de morte comprovam que a guilhotina não condenava só um indivíduo à morte, ao contrário, como todas as penas de morte o fazem, até hoje, condenam a família inteira e, por muitas vezes, castigando inocentes.

Embora os processos apresentados, até o momento, sejam de épocas e de contextos sociais diferentes, há aspectos e pontos em comum, bem como traços totalmente opostos.

O primeiro ponto que chama a atenção é a questão da instauração do processo. Enquanto no tribunal inquisitorial uma denúncia abre um processo; no tribunal revolucionário, o caráter é mais democrático, pois este necessitava de provas concretas para ser instaurado, bem como de testemunhas. Basta lembrar que as testemunhas são usadas no tribunal inquisitorial para acusar e complicar cada vez mais o réu perante o Santo Ofício, o que não ocorre no tribunal revolucionário. A defesa do réu também é um aspecto que se evidencia. Enquanto no Tribunal de Deus o advogado de defesa figura como algo que atrapalha e provoca lentidão no processo, exercendo sua função principal de fazer o réu confessar, no Tribunal Revolucionário não existe a pretensão máxima de se obter a confissão e o advogado de defesa é colocado como um elemento que denota democracia.

Entretanto, o que se pretende ressaltar é o fator violência, presente em ambos os Tribunais. No Tribunal do Santo Ofício apresenta-se através da tortura física, já no Tribunal Revolucionário a violência aparece através da tortura psicológica.

Segundo o que propõe Edwards Peters, a Revolução Francesa bem como o período correspondente ao Terror, não deixaram qualquer registro que mencionasse qualquer violência cometida sob tortura, pois, segundo o autor: “[...] nem a própria revolução inicial nem o terror deixam qualquer registro da tortura.”[15] Particularmente, discorda-se deta afirmação, pois não seria uma espécie de tortura psicológica o que fizeram à Maria Antonieta, tirando-lhe o filho que ela mais amava, de sua custódia? E depois, mais tarde, quando isolaram-na em cela pequena, estreita e escura, sem a luz do sol? E as doenças que acometeram Maria Antonieta, devido a este isolamento, no final de sua existência, como hemorragias e cegueira? Essas indagações não são mencionadas quando se fala em Terror na Revolução Francesa, pois a própria guilhotina, instrumento tão usado neste período, foi criada justamente para amenizar o sofrimento das pessoas que seriam submetidas à morte.

A última questão é o caráter festivo com o qual essas atrocidades são encaradas pelo povo. No Tribunal de Deus, vê-se a ansiedade do povo pelos autos-de-fé, realizados anualmente e com um caráter de grande festividade, pois “[...] o povo levava quitutes como para um piquenique.”[16] No que diz respeito ao Terror Revolucionário encontra-se descrição do povo aguardando a pessoa a ser guilhotinada como se aguarda um grande ator para encenar um espetáculo deslumbrante, no qual o final é trágico. Mas o povo assiste, aplaude e retorna no dia seguinte para assistir de camarote o espetáculo, que deixa registrado na história a cor púrpura e a violência cometida em nome dos ideais de igualdade.

5 DO SÉCULO XVII AO SÉCULO XIX

A festa da punição extinguiu-se gradativamente no fim do século XVII. A execução pública passou a ser vista como uma fornalha, acendendo fervorosamente a violência. A morte foi sendo reduzida a acontecimentos instantâneos. A punição foi deixando de ser uma cena, e tudo que implicasse em espetáculo tinha um cunho negativo. Já não se admitiam aqueles processos longos, em que a morte calcava-se por uma série de movimentos sucessivos. Foucaut escreve:
Enquanto era feita a leitura da sentença de condenação, estava de pé no cadafalso sustentado pelos carrascos. Era horrível aquele espetáculo [...] E sob aquelas vestes, misteriosas e lúgubres, a vida só continuava a manifestar-se através dos gritos horrorosos, que se extinguiram logo, sob o facão.[17]
Justamente, nesta fase, iniciou-se o questionamento da necessidade da pena. Relevância histórica foi dada ao trabalho de Beccaria, Dos Delitos e das Penas, no qual se afirma que se o homem não pode dispor de sua vida, muito menos pode consentir que outrem dela disponha. Os pensadores da época mostravam-se contrários à pena de morte. A Igreja Católica teve decisiva influência para o término desta punição haja vista que erigiu o preceito do bem comum e da reinserção social. A pena tinha incumbência de ser: útil tanto para o criminoso, como para a sociedade; digna, afastada da vingança e da crueldade; necessária  visando, antes de tudo, a paz social. A partir daí iniciou-se um processo legislativo contrário à instituição da pena capital, defendendo-se que ela poderia ser substituída por outras espécies como a pecuniária e a composição. Podemos citar como exemplos a Lei Bávara (nenhum crime é tão grave que a vida não possa ser concedida) e também a Lei Sálica (a possibilidade das sanções com penas pecuniárias).

Desta forma, a Sociedade ao fim do século XVIII, início do século XIX, estava imbuída nos novos pensamentos contrários à mencionada pena, influenciada, ainda, pelo período áureo da humanização regido pela égide da igualdade, fraternidade e liberdade como também pela Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão e a Constituição Americana de 1776. Diante disso, a sociedade passou a admitir uma nova teoria da lei e do crime, uma nova justificação moral ou política do direito de punir e a abolição de antigas operanças. Foi nessa época que a Humanidade de todos os cantos do mundo clamava pela extinção da referida pena, pois esta não se adaptava mais à realidade cultural e ideológica da época em estudo.

6 ÉPOCA CONTEMPORÂNEA

Hoje, embora remanesça em algumas legislações a pena de morte, procura-se imprimir  maior rapidez ao ato da execução. Para os condenados à forca o tempo gasto entre a entrada do executor na cela e o momento decisivo é de nove a 12 segundos, sendo de 20 a 25 segundos nas prisões que não têm as celas junto às câmaras de execução.

Na morte pela guilhotina, desde a saída da cela da morte até o certificado do verdugo de sentença cumprida, se gastam dois minutos. A execução propriamente não toma mais de 20 segundos. A execução na cadeira elétrica, entre a saída da cela e a execução toma de dois a quatro minutos, conforme o Estado. Na execução por gás, o tempo para cumprir a sentença varia de 40 segundos até 11 minutos.[18]

A exposição desses dados leva à conclusão de que tem sido preocupação dos legisladores não apenas matar sem causar dor, mas também matar com rapidez. Por isto se afirma que a pena de morte não é modernamente acompanhada de sofrimento, o que, entretanto, não é unânime na doutrina escrita sobre o tema.


[1] CÓDIGO DE HAMURABI. Direitos Humanos na Internet, Natal. Disponível em: http://www.dhnet.org.br/direitos/anthist/hamurabi.htm. Acesso em: 18 jun. 2009.
[2] MANUSRTI: Código de Manu. Direitos Humanos na Internet, Natal. Disponível em: http://www.dhnet.org.br/direitos/anthist/manu2.htm. Acesso em: 18 jun. 2009.
[3] JORGE, Fernando. Pena de morte: sim ou não?: os crimes hediondos e a pena capital. São Paulo: Mercuryo, 1993, p. 53.
[4] LEI DAS XII TÁBUAS. Direitos Humanos na Internet, Natal. Disponível em: http://www.dhnet.org.br/direitos/anthist/12tab.htm. Acesso em: 18 jun. 2009.
[5] ANTES da inquisição. Disponível em: http://www.cav-templarios.hpg.com.br/antes.htm. Acesso em: 20 jun. 2009.
[6] DIRECTORIUM Inquisitorum, o Manual dos Inquisidores. Disponível em: http://br.geocities.com/manualdosinquisidores/advogadodedefesa.html. Acesso em: 18 jun. 2009.
[7] NOVINSKY, Anita. A inquisição. São Paulo: Brasiliense, 1993, p. 60.
[8] REVOLUÇÃO Francesa. Wikipédia: a enciclopédia livre. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Revolu%C3%A7%C3%A3o_Francesa. Acesso em 21 jun. 2009.
[9] ZWEIG, Stefan. Maria Antonieta. Rio de Janeiro: Guanabara, 1951, p. 377.
[10] Ibidem, p. 378.
[11] Ibidem, p. 389.
[12] Ibidem, p. 390.
[13] Ibidem, p. 392.
[14] HUGO, Victor. O último dia de um condenado à morte. Rio de Janeiro: Newton Compton Brasil, 1995, p. 23.
[15] PETERS, Edward. Tortura. São Paulo: Ática, 1989, p. 119.
[16] NOVINSKY, Anita. A inquisição. São Paulo: Brasiliense, 1993, p. 68.
[17] FOULCAUT, Michel. Vigiar e punir. 14. ed. Petrópolis: Vozes, 1996.
[18] MOREIRA, Geber. A pena de morte nas legislações antigas e modernas. In: BONFIM, B. Calheiros (Org.). Pena de morte. Rio de Janeiro: Destaque, [s.d.], p. 146-147.

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