sexta-feira, 16 de setembro de 2016

La diosa íbera de la fertilidad [Divulgação]

Los rituales religiosos del mundo íbero han sido siempre todo un enigma. Parece que en este pueblo prevalecía el culto de las divinidades femeninas, de carácter telúrico, aunque también rendían culto al sol y la luna. Ahora, las excavaciones llevadas a cabo por el Centro Andaluz de Arqueología Ibérica (CAAI) en el oppidumde Puente Tablas, en las cercanías de Jaén, han arrojado luz sobre estos ritos.
FUENTE | El País Digital
20/03/2012

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Ha sido el descubrimiento de una estela antropomorfa el que ha llevado a los arqueólogos a vincularlo con una diosa íbera sobre la fertilidad. Las excavaciones, según ha explicado el director del CAAI, Arturo Ruiz, han permitido localizar una piedra tallada, muy bien conservada, que mostraba dos brazos con las manos abiertas sobre el vientre y restos de un posible cinturón. Se encontraba justo en el centro de la puerta sur del yacimiento, junto a una pequeña capilla lateral, un corredor que estuvo activo durante el siglo IV antes de nuestra era. “Estamos en condiciones de afirmar que la estela representa, esquemáticamente, a una divinidad, posiblemente femenina y dedicada a la fertilidad”, subraya Ruiz.

Al mismo tiempo, en la segunda fase de las excavaciones, se ha documentado la realización de un ritual de sacrificio de un grupo de 13 cerdos domésticos y tres cabras, probablemente en el caso de las cerdas de hembras preñadas, enterradas bajo una cista de piedra, en la que se dispusieron posteriormente dos mandíbulas también de cerda, que se cubrieron con dos grandes piedras cúbicas. Podría tratarse de un ritual de fundación ofrecido a la divinidad representada en la piedra.

Pero los hallazgos de los arqueólogos también han tenido un componente esotérico. Y es que se ha constatado que la puerta sur del oppidum de Puente Tablas tiene una orientación al este, que coincide exactamente con la salida del sol en los equinoccios, momento en el que llega la luz por la puerta hasta la imagen de la divinidad. Para contrastar experimentalmente esta posibilidad, que está siendo asesorada por el doctor Manuel Pérez, de la Escuela Politécnica de Ávila (Universidad de Salamanca), el equipo arqueológico del CAAI ha levantado un dispositivo que recrea las sombras y luces de la puerta, reproduciéndose en cartón a escala 1:1 la imagen de la estela para constatar, desde su posición original, la recepción de las primeras luces de la mañana del sol durante los días en torno al equinoccio de primavera. “Esto sería indicativo de un rito de celebración a la divinidad, seguramente de fiesta, asociado a la fertilidad y a la agricultura”, apunta el profesor Manuel Molinos, subdirector del CAAI.

Los arqueólogos de este centro, con sede en la Universidad de Jaén, han explicado que este rito se reproduce en diversos puntos del Mediterráneo, en países como Italia o Grecia, y dentro de la península en la propia provincia de Jaén, en el santuario ibero de Castellar, así como en Oriente Próximo, “porque no hay que olvidar la relación existente con los íberos a través del mundo fenicio”, precisa Ruiz.

Este descubrimiento se complementa con otro reciente de una inscripción en el santuario ibero de las Atalayuelas en Fuerte del Rey, dedicada a una divinidad denominada Betato o Betatus. “Se puede tratar de una diosa femenina, con ofrendas como la de Puente Tablas, con el santuario también en la misma fortificación, por lo que muy posiblemente estemos ante la misma divinidad y empecemos a conocer el mundo de la religión ibérica, que hasta ahora nos era desconocido tanto en nombre de dioses, como en ritos dedicados a ellos”, expone Arturo Ruiz.

Esta segunda fase ha permitido excavar un corredor monumental construido con mampostería de piedra, enmarcado entre dos muros, que en algún punto alcanzan los dos metros de altura, y tiene un recorrido de 15 metros y un ancho de 3,5 metros. En los próximos meses se acometerá la fase de restauración, con el alzado de las dos torres de la puerta, que se desarrollará bajo la dirección del arquitecto Pedro Salmerón Escobar.

Autor: Ginés Donaire


Pedro Andrés Porras Arboledas

Direitos da personalidade: delimitação do tema e denominação

O ser humano, em suas relações com os demais indivíduos, desfruta de vários direitos que lhe garantem a defesa de valores básicos, reconhecidos por sua própria condição de pessoa humana tomada em si mesma (direitos individuais) e em suas projeções na sociedade (direitos sociais). São estes, os direitos da personalidade.

Admitem-se neste caminho direitos físicos, psíquicos e morais, que por sua vez protegem, respectivamente, os aspectos externos e internos da personalidade humana e sua projeção na sociedade, sob os aspectos individuais e sociais. São direitos reconhecidos em defesa de valores inatos ao homem, como a vida, a liberdade, a integridade física, a honra, a intimidade, entre outros.

Embora hodiernamente consagrados pela lei, doutrina e jurisprudência, seu progresso foi conquistado a duras penas, inçado por dificuldades de caráter ideológico, chegando determinados autores a negar-lhes mesmo a existência, com base na ideia de que, havendo direitos do homem sobre a própria pessoa, justificar-se-ia o suicídio.

Rubens Limongi França (1999, p. 936) critica o “extremismo em que descambam”, pois esta afirmação importa em “fazer tábua rasa da própria finalidade do Direito” que existe para permitir à pessoa “seja aquinhoada segundo a justiça com os bens necessários à consecução dos seus fins naturais. Ora, o extermínio da vida pelo suicídio é a própria negação disso, é a coarctação da causa final do Direito.”

Sua própria denominação é também polêmica. A expressão bens essenciais da personalidade é defendida e utilizada pelos doutrinadores jurídicos, às vezes, precariamente, mas reconhecendo, na sua maioria, a expressão direitos da personalidade, em nível nacional[1] e internacional[2]. O Código Civil espanhol somente alude a esta denominação no art. 162[3], reformado pela Lei de 13 de maio de 1981. É a partir da Lei nº 1 de 5 de maio de 1982, a qual dedicará uma detalhada explicação posteriormente, donde se alude expressamente em seu preâmbulo aos “direitos da personalidade”.

No Brasil, a relevância dos direitos da personalidade alcança tamanho grau que os levam à proteção constitucional, como se pode constatar no art. 5oda Constituição da República Federativa brasileira de 1988:

Art. 5o[...]
III. ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante;
IV. é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
VI. é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e suas liturgias;
X. são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
XII. é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer;
XV. é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens;
XVI. é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar;
XLIX. é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral;
LIV. ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;
LXV. a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária [...]

Além disto, a questão fustiga a polêmica em torno dos artigos constantes do Capítulo I: Da Personalidade e da Capacidade, acoplado ao Título I: Das Pessoas Naturais, do Livro I: Das Pessoas, do Novo Código Civil brasileiro. O art. 2º do Código Civil, ao anunciar que a personalidade, a pessoa, começa com o nascimento com vida, assegura os direitos do nascituro desde a concepção. Entretanto, conforme a elaboração doutrinal e jurisprudencial posterior, foi-se acentuando a ideia do reconhecimento e proteção de certos atributos jurídicos inerentes ao homem, chamados direitos da personalidade em sentido estrito, próprios à pessoa natural, com extensão aos nascituros.[4]


[1] Veja-se, por todos: DINIZ, 2002, v. 1, p. 117-136; GOMES, 2000, p. 141-164; MONTEIRO, 2003, v. 1, p. 96-99; RODRIGUES, 2002, v. 1, p. 61-75; PEREIRA, 2000, v. I, p. 141-160.
[2] Veja-se, por todos: DE CUPIS, 1961. 337 p.;BORDA, 1976, p. 175-178; LACRUZ BERDEJO, 2000, v. 2, p. 35-36.
[3] O art. 162 do Código Civil espanhol, no que se refere ao tema em discussão, dispõe: “Los padres que ostenten la patria potestad tienen la representación legal de sus hijos menores no emancipados. Se exceptúan: 1º. Los actos relativos a derechos de la personalidad u otros que el hijo, de acuerdo con las Leyes y con sus condiciones de madurez, pueda realizar por sí mismo”.
[4] O juiz do Segundo Tribunal de Alçada Cível de São Paulo, Euclides de Oliveira estende ao nascituro a aplicação dos direitos da personalidade (OLIVEIRA, 1998, p. 30-31). Também: ALMEIDA, 1983. 370 p.

Introdução aos direitos da personalidade

Introdução aos Direitos da Personalidade

A noção de direitos da personalidade é muito recente. Por serem ignorados completamente no Código de 1916 – e isso se explica porque àquela época os direitos da personalidade não compunham uma categoria autônoma de direitos, sendo apenas analisados como efeitos da personalidade, distantes de merecer uma tutela específica -, recaiu sobre o legislador constitucional a necessidade de listá-los no art. 5º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
Deve-se reconhecer, a obsolescência do Código de Clovis Bevilaqua provocou uma abordagem de jaez civilista no âmbito da Constituição de 1988, originando o interessante fenômeno da publicização do direito civil ou constitucionalização do direito civil.
Neste palco, o Curso de Mestrado e Doutorado em Direito Civil, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), incluiu no seu currículo uma nova disciplina denominada Direito Civil Constitucional, para tratar de todas as questões do Direito Civil inseridas no corpo constitucional.
Somente em 2002 a Lei Civil nacional resgata a irredimível lacuna do diploma anterior, inserindo no Capítulo 2º deste diploma, um capítulo destinado aos direitos da personalidade. Embora não seja completo o rol dos direitos da personalidade - porque impossível fazê-lo - as novas diretrizes constituem-se, pode-se dizer, nas mais relevantes do novo Código Civil, merecendo os aplausos de toda a comunidade jurídica do país.
Logo no capítulo 2º, a partir do art. 11 até o art. 21, são nomeados os mais importantes direitos da personalidade. Importantes, pois são aqueles de maior influência na preservação da dignidade da pessoa humana. Para além disso, engenha o legislador a proteção desses direitos, através de uma tutela inibitória repressiva. Isso significa dizer que qualquer pessoa sob o justo receio de iminente violação de um dos seus direitos da personalidade, poderá invocar a tutela jurisdicional com vistas à sua inibição. Não mais é necessário esperar que seja efetivada a violação do direito da personalidade para, só então, ir a juízo chamar a tutela. Mas, ocorrida a violação, pela tutela repressiva pede-se a restauração do direito da personalidade desrespeitado. Este é, realmente, um avanço ético sem precedentes em solo brasileiro.
Mas, alcançado este ponto, pergunta-se: a fundamentação para a tutela concedida pela ordem jurídica nacional aos direitos da personalidade se assenta no fato de ser o princípio da dignidade da pessoa humana alicerce do Estado Democrático de Direito? São os direitos da personalidade que conferem às pessoas humanas essa dignidade?
Sendo a pessoa humana titular dos direitos da personalidade- preciosos arautos da dignidade que lhe é inerente, necessário explicar o seu significado.

Conceito de pessoa
De origem etimológica incerta, o termo pessoa vem de persona e parece ter nascido ligado ao teatro grego, com o significado de máscara (larva histrionalis) vestida pelos atores nas apresentações teatrais e religiosas. Utilizada como sinônimo de personagem, pressupõe aquilo que desempenha um papel, uma função própria.
Com os olhos voltados a esta nascente, Danilo Doneda, em aprazível construção teórica, atualiza o conceito de pessoa humana: “A pessoa seria a representação jurídica de cada homem, porém a posição central assumida pelo próprio homem no ordenamento o traz, em toda sua realidade e complexidade, para o epicentro do ordenamento, que a ele deve adaptar-se e não o contrário - e a máscara cai.”[1]
A partir daí, pode-se formular ser pessoa o sujeito de direito, portador de um dom que lhe possibilitará tornar-se titular de qualquer situação de direito ou dever jurídico. A personalidade, por sua vez, como qualidade da pessoa, constitui-se na aptidão reconhecida pela lei para tornar-se sujeito de direitos e deveres. Como pressuposto da concreta titularidade das relações, a personalidade corresponde à capacidade jurídica. A sutil distinção entre os dois conceitos está em que a personalidade é a abstrata idoneidade de tornar-se titular de relações, enquanto a capacidade jurídica é a medida de tal idoneidade que define os contornos da personalidade.[2]

Personalidade e capacidade
Críticas são formuladas sobre a determinação do significado dos vocábulos personalidade e capacidade, resultantes da confusão entre as duas perspectivas consideradas, e, relevante é o esclarecimento de San Tiago Dantas, do qual não se pode deixar de compartilhar, pela importância ao desvendar a questão:
[...] a palavra personalidade está tomada, aí, em dois sentidos diferentes. Quando se fala em direitos de personalidade, não se está identificando aí a personalidade como a capacidade de ter direitos e contrair obrigações; estamos então considerando a personalidade como um fato natural, como um conjunto de atributos inerentes à condição humana; estamos pensando num homem vivo e, não, nesse atributo especial do homem vivo, que é a capacidade jurídica, em outras ocasiões identificada como a personalidade.[3]

Sendo a personalidade um atributo da pessoa humana, que lhe permite adquirir direitos e obrigações na vida social, não se pode mortificar Hans Kelsen por tê-la vislumbrado como simples conseqüência jurídico-normativa. Eis seu pensamento: [...] A chamada pessoa física não é [...] um indivíduo, mas a unidade personificada das normas jurídicas que obrigam e conferem poderes a um e mesmo indivíduo. Não é uma realidade natural, mas uma construção jurídica criada pela ciência do Direito, um conceito auxiliar na descrição de fatos juridicamente relevantes.[4]

Do ponto de vista jurídico, a condição de pessoa é, portanto, uma criação do Direito.[5]O essencial do debate centra-se na essência dos inúmeros direitos que despontam no mundo atual, advindos da tão fantástica quanto assustadora evolução da ciência. Isso acarreta uma reinterpretação dos valores e, quando um ordenamento jurídico assume-os como essenciais, posicionando-os em palco destacado, sem, no entanto, desconectá-los dos demais direitos, exibe sua cumplicidade às mudanças assumidas pela morte dos códigos civis de inspiração liberal, produtos típicos do século XIX.


[1] DONEDA, Danilo. Os direitos da personalidade no código civil. In: TEPEDINO, Gustavo (Coord.). A parte geral do novo código civil: estudos na perspectiva civil-constitucional. 2. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 36.
[2] TRABUCCHI, Alberto. Instituciones de derecho civil. Tradução Luis Martínez-Calcerrada. Madrid: Editorial Revista de Derecho Privado, 1967, p. 77 et seq. Para Caio Mário da Silva Pereira: “A idéia de personalidade está intimamente ligada à pessoa, pois exprime a aptidão genérica para adquirir direitos e contrair obrigações” (PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: introdução ao direito civil: teoria geral do direito civil. 19. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2000, v. I, p. 141) e Maria Helena Diniz complementa: “[...] a personalidade tem sua medida na capacidade [...]” DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: teoria geral do direito civil. 18. ed. atual. de acordo com o novo Código Civil: (Lei n. 10.406, de 10-1-2002). São Paulo: Saraiva, 2002, v. 1, p. 138.
[3] SAN TIAGO DANTAS, Francisco. Programa de direito civil. Rio de Janeiro: Ed. Rio, 1977, v. 1, p. 192.
[4] KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 6. ed. 4. tir. Tradução João Baptista Machado. São Paulo: M. Fontes, 2000, p. 194.
[5] Embora à consciência humana da era atual repugne a possibilidade da escravidão, não se pode olvidar tenha existido – enodoando a História da Humanidade - e que reside no comando jurídico das nações desenvolvidas a garantia da liberdade dos cidadãos.

O ensino jurídico: algumas reflexões


O ensino jurídico: algumas reflexões
Crônica publicada em:
MOTA, Sílvia. O ensino jurídico: algumas reflexões. Jornal da Adesa: associação de docentes da Estácio de Sá, Rio de Janeiro, ano 2, n. 15, p. 3, ago. 2003.


O curso jurídico nas instituições universitárias privadas vem sendo entendido tal qual maquinaria eletrônica acessada no sentido de possibilitar a abordagem das matérias essenciais dentro do tempo mínimo considerado suficiente. A metodologia de ensino padronizou-se na autonomização de um saber específico, no intuito de transmitir os conhecimentos fundamentais e instrumentais, desarticulados de matérias correlatas que possibilitam ao estudante transitar num universo intelectual mais amplo. Contudo, a burla do emprego dessa metodologia vem sendo constatada. O magistério essencialmente discursivo, sem a participação dos discentes, vem contribuindo para a formação de indivíduos cada vez mais desapaixonados. As informações tombam enxovalhadas, não lhes sendo cobrada a sedimentação do conhecimento exposto. Daí, a negligência e a formação de uma nova classe de consumidores, estranha, por sinal, pois que paga o preço máximo exigido para receber, se possível, o mínimo em troca. Os mestres interessados em reverter essa situação, compromissados com a educação e cientes da relevância da pesquisa na formação do pensamento jurídico, tornam-se alvo da repulsão e acossamento por parte daqueles alunos que foram adestrados a reproduzir sempre o que lhes é transmitido, palavra por palavra.

A Ciência do Direito, construída através da inquietude que extravasa da pessoa humana em relação aos seus próprios direitos, no afã de amansar as trilhas dogmáticas do Direito Positivo, passa a ser relegada ao esquecimento em favor do ranço que se consagra, nos cursos de graduação, ao estudo acrimonioso e acrítico da lei. Nesse contexto, inúmeros conceitos e institutos - briosamente articulados pelos sacerdotes jurídicos - muitas vezes ameaçam lacerar-se na ambiência atécnica das legislações.

A pesquisa jurídica, experiente, expõe vaidosa que a compreensão da matéria suscita, na realidade, uma coexistência de forças concorrentes com vistas ao fim determinado. Assim, professores e alunos carecem instigar a formação de um pensamento próprio e crítico a respeito dos conhecimentos que lhes são transmitidos.

Para o sucesso dessa epopeia é preciso que ambos esposem os princípios da metodologia científica, que informarão à Ciência Jurídica o necessário para fazer exsurgir no graduando a vivacidade de um espírito altaneiro, construtivo e inovador, encontrável apenas naqueles mestres que desafiam transmutar em louvores as dificuldades enfrentadas no magistério; naqueles advogados que degustam o sabor da vitória ao influxo das dificuldades, ao arriscar-se com galhardia na defesa de seus ideais; ou naqueles magistrados que, incansáveis no seu labor, não adormecem seus conhecimentos no leito amarrotado do que já foi desvendado, como se não mais reclamassem por atualização.

O que são cláusulas pétreas?

O QUE SÃO CLÁUSULAS PÉTREAS?
Arnóbio Felinto Júnior
 

Cláusulas pétreas são limitações materiais expressamente previstas no texto da Constituição Federal de 1988.

Alexandre de Moraes ressalta que o estabelecimento de matéria constitucional imutável, e, consequentemente, não sujeita ao exercício do Poder Constituinte Reformador: “[...] surgiu com a Constituição norte-americana de 1787, que previu a impossibilidade de alteração na representação paritária dos Estados-membros no Senado Federal.”[1]

As cláusulas pétreas constituem, nas palavras de Adriano Sant’Ana Pedra: "[...] um núcleo intangível que se presta a garantir a estabilidade da Constituição e conservá-la contra alterações que aniquilem o seu núcleo essencial, ou causem ruptura ou eliminação do próprio ordenamento constitucional, sendo a garantia da permanência da identidade da Constituição e dos seus princípios fundamentais. Com isso, assegura-se que as conquistas jurídicopolíticas essenciais não serão sacrificadas em época vindoura."[2]

José J. G. Canotilho lembra, ainda: “[...] as constituições selecionam um leque de matérias, consideradas como o cerne material da ordem constitucional, e furtam essas matérias à disponibilidade do poder de revisão.”[3] No mesmo refrão, Paulo e Alexandrino sustentam que: "As limitações materiais, como deflui de seu nome, excluem determinadas matérias ou conteúdos da possibilidade de abolição, visando a assegurar a integridade da Constituição, impedindo que eventuais reformas provoquem a destruição de sua unidade fundamental ou impliquem profunda mudança de sua identidade."[4]

Essa previsão de irreformabilidade está atualmente disciplinada no art. 60, §4º, da Constituição Federal de 1988, in verbis: § 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I - a forma federativa de Estado; II - o voto direto, secreto, universal e periódico; III - a separação dos Poderes; IV - os direitos e garantias individuais.


[1] MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 1131.
[2] PEDRA, Adriano Sant’Ana. Reflexões sobre a teoria das cláusulas pétreas. Revista de Informação
Legislativa, Brasília, DF, ano 43, n. 172, p. 137, out./dez. 2006. Disponível em:
a href="http://www.senado.gov.br/web/cegraf/ril/Pdf/pdf_172/R172-11.pdf%3E">http://www.senado.gov.br/web/cegraf/ril/Pdf/pdf_172/R172-11.pdf>;. Acesso em: 21 jan. 2009.
[3] CANOTILHO, José J. G. Direito constitucional. 6. ed. rev. Coimbra: Livraria Almedina, 1993, p. 1129.
[4] PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo. Direito constitucional descomplicado. 2. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Impetus, 2008, p. 78.

Histórico da pena de morte

HISTÓRICO DA PENA DE MORTE
Arnóbio Felinto Júnior


Neste trabalho traça-se um breve histórico da pena de morte, com a intenção de verificar como foi o tema tratado no tempo e no espaço, desde o Egito Antigo até os dias de hoje. O estudo é relevante, tendo em vista que somente se pode entender o presente com o respaldo do passado.

1 ANTECEDENTES REMOTOS

No Egito Antigo, a organização social era baseada na hierarquia, destacando-se a figura do Faraó. A pena de morte era aplicada às pessoas que ofendessem a divindade e a pessoa do Faraó.

Na Babilônia, em momento posterior, existiram duas fases de suma importância: a da vigência do Código de Hammurabi, que estampou a punição daqueles que cometessem crimes intencionalmente e a da Legislação de Manu, pela qual crime se punia o furto. Por seu turno, os Hebreus atribuíam tal pena aos crimes contra os costumes e a religião, sendo a forma de execução mais comum o lapidamento.

A título de ilustração seguem as referidas legislações.

O Código de Hammurabi, através da Lei n. 1 estabelecia: “Se alguém acusa um outro, lhe imputa um sortilégio, mas não pode dar a prova disso, aquele que acusou, deverá ser morto.” Pela Lei n. 3: “Se alguém em um processo se apresenta como testemunha de acusação e, não prova o que disse, se o processo importa perda de vida, ele deverá ser morto.” Como se pode perceber, era muito perigoso na Babilônia jurar falso em frente de um juiz. Preceitua a Lei n. 6: “Se alguém furta bens do Deus ou da Corte deverá ser morto; e mais quem recebeu dele a coisa furtada também deverá ser morto.” Na Lei n. 11 se lê: “Se o proprietário do objeto perdido não apresenta um testemunho que o reconheça, ele é um malvado e caluniou; ele morrerá.” Mais adiante, a Lei n. 129 estabelece: “Se a esposa de alguém é encontrada em contato sexual com um outro, se deverá amarrá-los e lançá-los nágua, salvo se o marido perdoar à sua mulher e o rei ao seu escravo.” Em seguida, na Lei n. 130: “Se alguém viola a mulher que ainda não conheceu homem e vive na casa paterna e tem contato com ela e é surpreendido, este homem deverá ser morto, a mulher irá livre.”[1] Os estupradores, portanto, se arriscavam a perder a vida.

O Código de Manu, por sua vez, estabelecia na Lei n. 320: “Por haver tirado de homens de boa família, sobretudo mulheres e jóias de grande preço, como diamantes, o ladrão merece a pena capital.”[2]

Na Grécia, a pena de morte atingia, além do culpado, seu cônjuge e filhos. Essa aplicação destinava-se aos crimes contra o Estado e a religião. A execução realizava-se através do afogamento, fogueira, apedrejamento, entre outras formas.

Era comum que, ao aplicarem a pena de morte, os soberanos do Oriente dessem a impressão de agir como criminosos. Assurbanipal, rei da Assíria, que governou de 668 a 626 antes de Cristo, assim descreveu a execução de revoltosos:
Ergui um muro diante das grandes portas da cidade. Mandei esfolar os chefes da revolta e cobrir o muro com as suas peles. Uns foram enterrados vivos na construção, outros foram crucificados ou empalados ao longo do muro. De vários mandei arrancar a pele na minha presença e revestir este muro com ela. Mandei dispor as cabeças em forma de coroas, e os cadáveres trespassados em forma de grinaldas.[3]
No período Romano, aplicava-se a pena capital aos crimes de ordem pública e privada. Na fase de vigência da Lei das XII Tábuas, também chamada simplesmente Lex, ou ainda Legis XII Tabularum ou Lex Decenviralis, este assunto era tratado como coisa sacral e de ordem legal. Puniam-se os delitos praticados à noite, o pastor que invadia terreno alheio, o incendiário ou ainda o homicida comum e aquele que assassinava pai e mãe. A fogueira era pena que já nas XII Tábuas era aplicada ao incendiário que, depois de flagelado, era atado ou cravado a um poste ao qual se punha fogo com um montão de lenha colocado ao redor. Aos parricidas, se negava sepultamento. O condenado previamente açoitado tinha a sua cabeça coberta com uma pele de lobo; depois de calçado com sapatos de madeira era encerrado num saco de couro de vaca, juntamente com uma serpente e outros animais, e lançado às águas.
Seguem algumas leis da Tábua Sétima, Dos Delitos:

3. Aquele que fez encantamentos contra a colheita de outrem,

4. ou a colheu furtivamente à noite antes de amadurecer ou a cortou de madura, será sacrificado a Ceres;

6 Aquele que fizer pastar o seu rebanho em terreno alheio,

7 e o que intencionalmente incendiar uma casa ou um monte de trigo perto de uma casa, seja fustigado com varas e em seguida lançado ao fogo.;

17 Se alguém matar um homem livre e; empregar feitiçaria e veneno, que seja sacrificado com o último suplício;

18 Se alguém matar o pai ou a mãe, que se lhe envolva a cabeça e seja colocado em um saco costurado e lançado ao rio.[4]

Na fase imperial, devido à influência Cristã, a pena de morte foi decaindo e permitia-se a composição em seu lugar. Entre os Germanos, esse tipo de punição vigorava entre os escravos. Existia grande tendência à composição com multas pecuniárias. No Direito Canônico, predominou a proibição do seu uso devido à influência cristã, salvo alguns defensores. No inicio da Idade Média, a pena de morte foi utilizada, a princípio, devido ao aumento da criminalidade nas proximidades das cidades, onde constantemente ocorriam roubos de cargas.

2 INQUISIÇÃO

Com o início da Inquisição em 1232, lançaram-se editos de perseguição aos hereges na Europa. Chamada de Santo Ofício foi instituída como tribunal permanente da Igreja para investigar e combater heresias. A prática de queimar hereges em autos-da-fé foi introduzida nos últimos anos do século XII.

A esta época as punições aplicadas eram diversas: trabalho forçado, prisão perpétua, destruir a casa onde morava o suposto bruxo e mandá-lo para o confinamento em aldeias distantes. Também eram punidos os descendentes dos acusados de heresia, que eram proibidos de entrar em ordens religiosas, não tinham qualquer dignidade pública e não podiam exercer nenhuma função na sociedade, como por exemplo: médicos, tutores de jovens, cobradores de impostos, escrivães, advogados, farmacêuticos, entre outras. Não podiam ainda usar ouro, prata, seda, pedras preciosas, levar armas ou andar a cavalo.

A pena mais grave era o confisco de bens, que mantinha a Inquisição. A morte era reservada àqueles que se declaravam inocentes da acusação de heresia ou aos que se negavam confessar. Se um réu, antes da aplicação da pena de morte, pedisse para morrer nas leis de Cristo, acabava garroteado e depois queimado, ou então, era queimado vivo.

O referido Tribunal do Santo Ofício foi instaurado em 1236, pelo papa Gregório IX, que temendo as ambições político-religiosas do imperador Frederico II, tomou para si a responsabilidade de perseguir os hereges que começavam a incomodar o alicerce da Igreja Católica, bem como a estrutura dos estados monárquicos de então, que tinham como um dos pontos de unificação de seu território a religião predominante da época. Antes de se instaurar o Tribunal do Santo Ofício, propriamente dito, no início da Idade Média, a Igreja estruturou a sua justiça, limitando-se a uma justiça disciplinar. O seu procedimento era distinto da justiça comum da época, pois sua investigação era secreta e arrancar a confissão do réu constituía-se no âmago da questão. Esta justiça somente era aplicada ao clero. Entretanto, com o IV Concílio de Latrão, de 1216, através do papa Inocêncio III, firmou-se o metodo inquisitio.[5]

Nasce, então, no seio da Igreja católica, o Sistema Processual Inquisitório, onde a autoridade responsável dispõe de poderes para, por sua iniciativa, abrir o processo, colher as provas que julgar necessárias e proceder secretamente no interesse em obter a confissão do réu. É esse sistema processual inquisitório que lançará as diretrizes e norteará todo o funcionamento da Inquisição, através de seus atos, mandos e desmandos em nome de Deus.

2.1 O Tribunal de Deus

Para se instaurar um processo inquisitorial bastava uma denúncia ou uma acusação ao Santo Ofício, pois não adiantava fugir: o Santo Ofício via tudo, se infiltrava por toda parte, até no recesso dos lares. Obrigava os fiéis a se tornarem espiões e delatores e dessa maneira montava uma densa rede de informantes ocultos. Graças a isso, manteve perfeito controle social, exigiu comportamentos, impediu o livre arbítrio, sufocou dissidências.

Esse Tribunal tinha por base o Manual dos Inquisidores, escrito em 1376 por Nicolau Eymerich e Francisco de La Peña. O Manual continha todas as normas, leis e toda sorte de punição que se aplicava aos hereges. Estes eram o alvo principal do Santo Ofício e o Manual os classificava e definia como: os excomungados; os simoníacos (comercialização de bens da igreja); quem se opusesse à igreja de Roma e contestasse a autoridade que ela recebeu de Deus; quem cometesse erros na interpretação das Sagradas Escrituras; quem criasse uma nova seita ou aderisse a uma seita já existente; quem não aceitasse a doutrina romana no que se refere aos sacramentos; quem tivesse opinião diferente da igreja de Roma sobre um ou vários artigos de fé; quem duvidasse da fé cristã.

Instituído sob o caráter religioso, este Tribunal regulava e controlava toda vida cotidiana dos pensamentos dos cidadãos, assumindo uma importância extraordinária, tanto que não raras vezes ele julgou processos comuns que não diziam respeito à ordem eclesiástica, acusando os réus de hereges e submetendo-os aos rigores de suas normas.

Para se instaurar um processo inquisitorial bastava uma acusação, que devia ser registrada, ou uma denúncia anônima - que devia ser precedida de uma caridosa exortação; ou, ainda, por investigação, pela qual se averiguava as informações que chegavam ao Tribunal. Se o indivíduo se apresentasse como acusador, este deveria ser lembrado de que seria inscrito na Lei de Talião. Se, mesmo informado, o indivíduo se mantivesse como acusador, desenrolar-se-ia o processo a partir da acusação. Entretanto, se após receber a informação, o delator não quisesse mais assumir o papel do acusador e declarasse que queria apenas ser o denunciante, com sua identidade ocultada - o que ocorria com mais frequência - procedia-se ao processo pela denúncia. Havia, ainda, um terceiro tipo de instauração de processo, que se constituía no processo pela investigação, pelo qual o Tribunal deveria averiguar os boatos que chegavam aos seus ouvidos.

O processo preferido do Santo Ofício era o processo por delação, já que pelo processo de acusação, se o réu fosse inocentado, o tribunal teria de aplicar a Lei de Talião, punindo-se o acusador dificultando o surgimento de novos delatores, assim contribuindo para a impunidade dos crimes, em prejuízo do Estado.

Dando prosseguimento ao processo são inquiridas e interrogadas as testemunhas, no máximo duas, indo-se o interrogatório do acusado, até o inquisidor conseguir sua confissão, o que se constitui na pretensão máxima da inquisição, pois diante do tribunal da inquisição, basta a confissão do réu para condená-lo.

Embora se tenha a impressão de que no Tribunal do Santo Ofício só existia o lado do acusador, ou melhor, era o Estado contra um indivíduo, sem o direito de defesa, e de nenhum representante para defendê-lo, a verdade é que o Tribunal facultava ao réu formalmente, tal direito, por meio de um advogado, indicado pelo próprio Tribunal, devendo ser honesto, com experiência em direito civil e canônico, e bastante fervoroso. Na prática o advogado de defesa era um elemento decorativo no processo, pois quem o escolhia era o Tribunal, e seu compromisso não era com a defesa do Réu, mas com a obtenção da confissão e arrependimento deste.

Sobre o advogado dita o Manual dos Inquisidores:
[...] se o réu confessar, não há necessidade de um advogado para defendê-lo. Se não quiser confessar, receberá ordens de fazê-lo por três vezes. Depois se continuar negando, o inquisidor lhe atribuirá, automaticamente, um advogado juramentado no seu tribunal. O réu comunicar-se-á com ele na presença do inquisidor. Quanto ao advogado, prestará juramento - e embora já seja juramentado - ao inquisidor de defender bem o réu e guardar segredo sobre tudo o que vir e ouvir. O papel do advogado é fazer o réu confessar logo e se arrepender, além de pedir a pena para o crime cometido.[6]
Deste modo, o réu, não tinha defesa e muito menos um advogado de defesa, pois este se postava do lado da inquisição e não do acusado. Se neste em quase todos os processos inquisitoriais não se a designar um advogado para o réu confessar, pois a confissão era arrancada deste nos interrogatórios, através da tortura.

O uso da tortura para se obter uma confissão foi permitido pelo papa Inocêncio IV em 1252, e “[...] era aplicada sempre que se suspeitasse de uma confissão ou quando era incongruente. Um testemunho era suficiente para justificar o envio para a câmara de tormento. Quanto mais débil a evidência do crime, mais severa era a tortura.[7]

Segundo o próprio Manual dos Inquisidores, a tortura deveria ser moderada, pois o papel do inquisidor não era o de carrasco. Todavia, com o passar do tempo a violência aplicada sob os auspícios do tribunal, tornou-se cada vez mais severa.

Terminada a sessão de tortura, seguia-se o julgamento do réu, a última etapa do processo, que antecedia o auto-de-fé. Os que eram condenados a penas leves - como cárcere e hábito penitencial perpétuo, bem como a flagelação - caminhavam com uma vela nas mãos. Na frente do cortejo seguiam os condenados à morte, entregues à justiça civil para serem queimados vivos. Salientamos aqui um aspecto interessante. Por ser um Tribunal eclesiástico o Santo Ofício não podia executar seus condenados, ou seja, aos olhos de Deus não era a Igreja quem executava, pois a esta cabia apenas julgar. A decisão de validar o julgamento cabia à justiça dos homens; e estes teriam acertos com o Todo Poderoso se não fizessem valer a determinação do tribunal inquisitorial.

Os condenados à morte tinham seus bens confiscados, pois o Tribunal necessitava manter-se e financiar gastos com os presos, como as tochas para acender as fogueiras e com o espetáculo promovido no auto-de-fé.

Havia dois tipos de autos-de-fé: os públicos e os privados. Estes se destinavam aos casos menos graves ou especiais (julgamentos de pessoas pertencentes à alta nobreza); aqueles eram enormes festas populares.

Dispendiosos, os autos públicos realizavam-se anualmente. Construíam-se estrados, utilizava-se mobiliária, decorações. Tinham longa duração, ou seja, duravam o dia todo e, às vezes, dependendo do número de réus estendiam-se até altas horas da noite, chegando mesmo até o dia seguinte. Com o passar do tempo, o caráter festivo e sua ostentação aumentaram, e eram convidados reis, infantes, toda a Corte para assistirem de camarote à execução e humilhação dos transgressores da sociedade. Durante essa festa, os acusados ouviam suas sentenças e os condenados à morte, depois da cerimônia, eram conduzidos ao queimador. Esta festividade iniciava-se com uma procissão dos réus, seguida de uma missa, na qual o teor do sermão era a essência de toda a cerimônia. Das aldeias mais distantes chegavam curiosos a todo momento, apinhando-se uns sobre os outros para ver melhor as roupas, toaletes, cabelos das condessas, das princesas, das nobres damas da corte. Depois de dadas as sentenças, o povo corria para o queimadeira, para ver como se salvavam as almas.

3 A REVOLUÇÃO FRANCESA

Revolução Francesa é o nome dado ao conjunto de acontecimentos que, entre 5 de maio de 1789 e 9 de novembro de 1799, alteraram o quadro político e social da França. Em causa estavam o Antigo Regime (Ancien Régime) e a autoridade do clero e da nobreza. Foi influenciada pelos ideais do Iluminismo e da Independência Americana (1776). Está entre as maiores revoluções da história da humanidade. Esta época é considerada como o acontecimento que deu início à Idade Contemporânea. Aboliu a servidão e os direitos feudais e proclamou os princípios universais de "Liberdade, Igualdade e Fraternidade" (Liberté, Egalité, Fraternité), frase de autoria de Jean-Jacques Rousseau.[8]

O processo de Maria Antonieta, rainha da França deposta pela revolução, ao contrário de um processo inquisitorial precisava de provas para ser iniciado, ou seja, não bastava mais uma denúncia ou uma acusação; necessitava-se de algo concreto, material, um documento que a incriminasse.

Durante sua vida, Maria Antonieta queimou todas as cartas, decretos, bilhetes e toda sorte de documento que a comprometesse às vésperas da revolução. Portanto, como nobre deposta ao Tribunal só cabia o direito de mantê-la sob cárcere. A princípio foi encarcerada no Palácio dos Templários - O Templo, como era conhecido, junto com Luís XVI, seu marido, seus filhos e sua cunhada.

Com a morte de seu marido, guilhotinado sob a acusação de traidor da França, sua vida foi dedicar-se a seu filho Delfim. Sua alegria naquele cárcere era viver para este filho que ela amava e dedicava toda a sua alma. Entretanto, sua vontade de viver foi-se minando a partir do momento que o Tribunal decidiu, por falta de provas para incriminá-la, tirar seu filho de sua custódia. A partir de então essa mãe ficou desolada. Durante o curto período que permaneceu no Templo, consolava-se vendo o filho, secretamente, passear pelo jardim do castelo. Mas a revolução não a poupou, transferindo-a para Conciergerie, que “era o cárcere escolhido para os mais perigosos criminosos políticos. A inscrição no registro de entrada correspondia, afinal a uma certidão de óbito.”[9] Todavia, diferente do que se imagina a convenção, não se pretendia concluir logo o processo de Maria Antonieta, mas sim mantê-la como refém para atingir a Áustria. Entretanto, a sua terra natal não estava nem um pouco interessada em sua sorte. E assim o processo se arrastava, pois o desinteresse da Áustria, bem como a falta de provas que incriminasse Maria Antonieta fazia com que o processo se demorasse cada vez mais. Diante disso dizia o comitê de salvação pública à convenção: “[...] por que razão se faz tanta cerimônia para julgar o tigre austríaco, e se procuram provas para condená-la, quando para fazer-lhe justiça, se devia triturá-la como se faz à carne dos pastéis, para pagar todo sangue que ela fez correr?”[10] Pelo que se vê a violência que iria nortear todo o período do Terror tem a sua origem na indignação do comitê diante da demora de se julgar uma traidora da Revolução.

Embora encarcerada em uma prisão de segurança máxima, Maria Antonieta conseguiu conquistar a simpatia de seus carcereiros, que tudo faziam para agradá-la e tornar menos terrível aqueles dias de extrema solidão. Diante da situação desesperadora da rainha eis que surge uma esperança, Rougeville, amigo de Maria Antonieta, tentou tirá-la do cárcere, livrando-a da prisão, mas “[...] a comuna e o comitê de salvação pública tinham já conseguido saber o nome de Rougeville e já a polícia andava procurando por toda Paris o homem que desejava salvar a rainha, mas, que, em vez disso, na realidade, lhe tinha apressado o fim.”[11] O que faltava para dar início ao seu processo, aconteceu. A partir de agora era questão de agilidade na busca por provas que lhe incriminasse, pois com a tentativa de fuga Maria Antonieta havia assinado sua sentença de morte.

Depois da tentativa frustrada de fuga, Maria Antonieta foi transferida para o extremo isolamento. Ninguém mais podia visitá-la, nem vê-la. Tinham-na submetido ao maior grau de isolamento, não lhe sendo dado nem mesmo o direito a ver a luz do sol. Quando, finalmente, foi chamada a comparecer ante o tribunal “[...] era uma mulher velha, de cabelos brancos, que saía de uma longa noite para tornar a ver a claridade do céu, coisa de que já se tinha esquecido.”[12]

Instaurado o Terror o Comitê não titubeou. Percebendo Maria Antonieta ainda no cárcere sem que lhe tivesse feito a devida justiça, decretou:
Uma mulher, vergonha da humanidade e do sexo, a viúva Capeto, deve expiar finalmente os seus crimes no patíbulo. Já se publica por toda a parte que foi novamente transferida para o templo, que foi julgada e absolvida pelo tribunal revolucionário, como se uma mulher que fez derramar o sangue de tantos milhares de franceses pudesse vir a ser absolvida por um júri francês! Peço que o Tribunal Revolucionário se pronuncie esta semana em relação à sua sorte![13]
4 APÓS A REVOLUÇÃO FRANCESA

Um relato posterior à Revolução Francesa demonstra a preocupação da violência cometida nas penas capitais através do livro de Victor Hugo, O Último Dia de um Condenado à Morte. O prefácio, de 15 de março de 1832, mostra as práticas referentes a guilhotinamentos e a indignação do autor que defende a abolição da pena de morte, discutida até hoje.

Victor Hugo buscou as idéias para o livro na própria Praça da Grève, onde eram realizadas as execuções dos criminosos. Ouvindo o grito de uma sentença de morte e vendo a movimentação do povo, sedento de sangue, o autor presencia o ritual de preparo do condenado (cortar o cabelo, amarrar seu corpo). O sangue do condenado mancha a lâmina da guilhotina, levando-o a sentir-se na obrigação de contar tudo aquilo para a sociedade que estava insensível fazendo negócios, em meio à cena monstruosa.

No livro, o autor expressa sua indignação contra a pena de morte exemplificando um guilhotinamento que ocorreu no dia 12 de setembro de 1831, em Albi.  O executado era Pierre Hébrard e esta execução foi registrada na Gazettte des Tribunaux, jornal que serviu de fonte de pesquisa para Victor Hugo retirar os detalhes que enriqueceram o trecho do livro em que conta esta execução.

Segue a descrição:
[...] lá pelo fim de setembro, foram buscar o homem na prisão onde estava tranquilamente jogando cartas, notificam-no que ele tem que morrer dentro de duas horas, com o que ele começa tremer da cabeça aos pés, pois, depois de seis meses no mais completo esquecimento, já não contava mais com a morte; raspam-no, tosam-no, amarram-no, confessam-no; após o que jogam-no num carrinho de mão entre quatro gendarmes e, passando pela multidão, levam-no ao lugar da execução. Até aqui, tudo muito simples. É assim que acontece. Chegando no cadafalso, o carrasco toma-o do padre, leva-o, amarra-o no básculo, l’enfourne , aqui estou usando a gíria, e solta a lâmina. O pesado triângulo de ferro desprende-se com dificuldade, cai aos solavancos entre os trilhos, e aqui começa o horrível, corta o homem sem matá-lo. O homem dá um grito medonho. Desconcertado o carrasco puxa a lâmina e solta-a novamente. A lâmina entalha o pescoço do paciente pela segunda vez mas não o separa do corpo. O paciente dá urros, a multidão também. O carrasco torna a levantar a lâmina, esperando sair-se melhor na terceira vez. Nada. O terceiro golpe faz jorrar um terceiro rio de sangue do pescoço do condenado, mas não trincha a cabeça. Para encurtar, a lâmina subiu e desceu cinco vezes, o condenado soltou urros sob o golpe e sacudiu a cabeça gritando, pedindo perdão! O povo indignado armou-se de pedras e pôs-se, na sua justiça, a apedrejar o miserável carrasco. O carrasco foge por baixo da guilhotina, lá agacha-se atrás dos cavalos dos gendarmes. Mas a história ainda não acabou. O suplicado, vendo-se sozinho no cadafalso, tinha se levantado da tábua e, em pé, pavoroso, o sangue escorrendo pelo corpo, segurando a cabeça parcialmente cortada que caía no seu ombro, pedia com gritos fracos que viesse soltá-lo. A multidão tomada pela piedade, estava a ponto de forçar os gendarmes e prestar ajuda ao coitado a quem tinham aplicado cinco vezes a pena de morte. É neste momento que um ajudante do carrasco, um jovem de vinte anos, sobe no cadafalso, pede para o paciente virar-se para que ele possa soltá-lo e, aproveitando-se da posição do moribundo que estava se entregando a ele sem desconfiar, pula nos ombros dele e começa a cortar o que restava de pescoço com não sei que faca de açougueiro. Isto aconteceu. Isto foi visto. Sim.[14]
Pelo que foi aqui exposto, percebe-se que os direitos dos homens eram bem pouco igualitários. Não se pode dizer que a guilhotina amenizou a violência, nem se pode negar o alto preço que a humanidade pagou, pois o que pretendia Dr. Guillotin ao amenizar o sofrimento do homem foi comprovado não ser tão eficiente. As discussões sobre os direitos dos homens e da pena de morte comprovam que a guilhotina não condenava só um indivíduo à morte, ao contrário, como todas as penas de morte o fazem, até hoje, condenam a família inteira e, por muitas vezes, castigando inocentes.

Embora os processos apresentados, até o momento, sejam de épocas e de contextos sociais diferentes, há aspectos e pontos em comum, bem como traços totalmente opostos.

O primeiro ponto que chama a atenção é a questão da instauração do processo. Enquanto no tribunal inquisitorial uma denúncia abre um processo; no tribunal revolucionário, o caráter é mais democrático, pois este necessitava de provas concretas para ser instaurado, bem como de testemunhas. Basta lembrar que as testemunhas são usadas no tribunal inquisitorial para acusar e complicar cada vez mais o réu perante o Santo Ofício, o que não ocorre no tribunal revolucionário. A defesa do réu também é um aspecto que se evidencia. Enquanto no Tribunal de Deus o advogado de defesa figura como algo que atrapalha e provoca lentidão no processo, exercendo sua função principal de fazer o réu confessar, no Tribunal Revolucionário não existe a pretensão máxima de se obter a confissão e o advogado de defesa é colocado como um elemento que denota democracia.

Entretanto, o que se pretende ressaltar é o fator violência, presente em ambos os Tribunais. No Tribunal do Santo Ofício apresenta-se através da tortura física, já no Tribunal Revolucionário a violência aparece através da tortura psicológica.

Segundo o que propõe Edwards Peters, a Revolução Francesa bem como o período correspondente ao Terror, não deixaram qualquer registro que mencionasse qualquer violência cometida sob tortura, pois, segundo o autor: “[...] nem a própria revolução inicial nem o terror deixam qualquer registro da tortura.”[15] Particularmente, discorda-se deta afirmação, pois não seria uma espécie de tortura psicológica o que fizeram à Maria Antonieta, tirando-lhe o filho que ela mais amava, de sua custódia? E depois, mais tarde, quando isolaram-na em cela pequena, estreita e escura, sem a luz do sol? E as doenças que acometeram Maria Antonieta, devido a este isolamento, no final de sua existência, como hemorragias e cegueira? Essas indagações não são mencionadas quando se fala em Terror na Revolução Francesa, pois a própria guilhotina, instrumento tão usado neste período, foi criada justamente para amenizar o sofrimento das pessoas que seriam submetidas à morte.

A última questão é o caráter festivo com o qual essas atrocidades são encaradas pelo povo. No Tribunal de Deus, vê-se a ansiedade do povo pelos autos-de-fé, realizados anualmente e com um caráter de grande festividade, pois “[...] o povo levava quitutes como para um piquenique.”[16] No que diz respeito ao Terror Revolucionário encontra-se descrição do povo aguardando a pessoa a ser guilhotinada como se aguarda um grande ator para encenar um espetáculo deslumbrante, no qual o final é trágico. Mas o povo assiste, aplaude e retorna no dia seguinte para assistir de camarote o espetáculo, que deixa registrado na história a cor púrpura e a violência cometida em nome dos ideais de igualdade.

5 DO SÉCULO XVII AO SÉCULO XIX

A festa da punição extinguiu-se gradativamente no fim do século XVII. A execução pública passou a ser vista como uma fornalha, acendendo fervorosamente a violência. A morte foi sendo reduzida a acontecimentos instantâneos. A punição foi deixando de ser uma cena, e tudo que implicasse em espetáculo tinha um cunho negativo. Já não se admitiam aqueles processos longos, em que a morte calcava-se por uma série de movimentos sucessivos. Foucaut escreve:
Enquanto era feita a leitura da sentença de condenação, estava de pé no cadafalso sustentado pelos carrascos. Era horrível aquele espetáculo [...] E sob aquelas vestes, misteriosas e lúgubres, a vida só continuava a manifestar-se através dos gritos horrorosos, que se extinguiram logo, sob o facão.[17]
Justamente, nesta fase, iniciou-se o questionamento da necessidade da pena. Relevância histórica foi dada ao trabalho de Beccaria, Dos Delitos e das Penas, no qual se afirma que se o homem não pode dispor de sua vida, muito menos pode consentir que outrem dela disponha. Os pensadores da época mostravam-se contrários à pena de morte. A Igreja Católica teve decisiva influência para o término desta punição haja vista que erigiu o preceito do bem comum e da reinserção social. A pena tinha incumbência de ser: útil tanto para o criminoso, como para a sociedade; digna, afastada da vingança e da crueldade; necessária  visando, antes de tudo, a paz social. A partir daí iniciou-se um processo legislativo contrário à instituição da pena capital, defendendo-se que ela poderia ser substituída por outras espécies como a pecuniária e a composição. Podemos citar como exemplos a Lei Bávara (nenhum crime é tão grave que a vida não possa ser concedida) e também a Lei Sálica (a possibilidade das sanções com penas pecuniárias).

Desta forma, a Sociedade ao fim do século XVIII, início do século XIX, estava imbuída nos novos pensamentos contrários à mencionada pena, influenciada, ainda, pelo período áureo da humanização regido pela égide da igualdade, fraternidade e liberdade como também pela Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão e a Constituição Americana de 1776. Diante disso, a sociedade passou a admitir uma nova teoria da lei e do crime, uma nova justificação moral ou política do direito de punir e a abolição de antigas operanças. Foi nessa época que a Humanidade de todos os cantos do mundo clamava pela extinção da referida pena, pois esta não se adaptava mais à realidade cultural e ideológica da época em estudo.

6 ÉPOCA CONTEMPORÂNEA

Hoje, embora remanesça em algumas legislações a pena de morte, procura-se imprimir  maior rapidez ao ato da execução. Para os condenados à forca o tempo gasto entre a entrada do executor na cela e o momento decisivo é de nove a 12 segundos, sendo de 20 a 25 segundos nas prisões que não têm as celas junto às câmaras de execução.

Na morte pela guilhotina, desde a saída da cela da morte até o certificado do verdugo de sentença cumprida, se gastam dois minutos. A execução propriamente não toma mais de 20 segundos. A execução na cadeira elétrica, entre a saída da cela e a execução toma de dois a quatro minutos, conforme o Estado. Na execução por gás, o tempo para cumprir a sentença varia de 40 segundos até 11 minutos.[18]

A exposição desses dados leva à conclusão de que tem sido preocupação dos legisladores não apenas matar sem causar dor, mas também matar com rapidez. Por isto se afirma que a pena de morte não é modernamente acompanhada de sofrimento, o que, entretanto, não é unânime na doutrina escrita sobre o tema.


[1] CÓDIGO DE HAMURABI. Direitos Humanos na Internet, Natal. Disponível em: http://www.dhnet.org.br/direitos/anthist/hamurabi.htm. Acesso em: 18 jun. 2009.
[2] MANUSRTI: Código de Manu. Direitos Humanos na Internet, Natal. Disponível em: http://www.dhnet.org.br/direitos/anthist/manu2.htm. Acesso em: 18 jun. 2009.
[3] JORGE, Fernando. Pena de morte: sim ou não?: os crimes hediondos e a pena capital. São Paulo: Mercuryo, 1993, p. 53.
[4] LEI DAS XII TÁBUAS. Direitos Humanos na Internet, Natal. Disponível em: http://www.dhnet.org.br/direitos/anthist/12tab.htm. Acesso em: 18 jun. 2009.
[5] ANTES da inquisição. Disponível em: http://www.cav-templarios.hpg.com.br/antes.htm. Acesso em: 20 jun. 2009.
[6] DIRECTORIUM Inquisitorum, o Manual dos Inquisidores. Disponível em: http://br.geocities.com/manualdosinquisidores/advogadodedefesa.html. Acesso em: 18 jun. 2009.
[7] NOVINSKY, Anita. A inquisição. São Paulo: Brasiliense, 1993, p. 60.
[8] REVOLUÇÃO Francesa. Wikipédia: a enciclopédia livre. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Revolu%C3%A7%C3%A3o_Francesa. Acesso em 21 jun. 2009.
[9] ZWEIG, Stefan. Maria Antonieta. Rio de Janeiro: Guanabara, 1951, p. 377.
[10] Ibidem, p. 378.
[11] Ibidem, p. 389.
[12] Ibidem, p. 390.
[13] Ibidem, p. 392.
[14] HUGO, Victor. O último dia de um condenado à morte. Rio de Janeiro: Newton Compton Brasil, 1995, p. 23.
[15] PETERS, Edward. Tortura. São Paulo: Ática, 1989, p. 119.
[16] NOVINSKY, Anita. A inquisição. São Paulo: Brasiliense, 1993, p. 68.
[17] FOULCAUT, Michel. Vigiar e punir. 14. ed. Petrópolis: Vozes, 1996.
[18] MOREIRA, Geber. A pena de morte nas legislações antigas e modernas. In: BONFIM, B. Calheiros (Org.). Pena de morte. Rio de Janeiro: Destaque, [s.d.], p. 146-147.

Irmã Dorothy - o anjo da Amazônia - [Divulgação]

 

"Não vou fugir e nem abandonar a luta desses agricultores
que estão desprotegidos no meio da floresta.
Eles têm o sagrado direito a uma vida melhor numa terra
onde possam viver e produzir com dignidade sem devastar"

[Dorothy Mae Stang conhecida como Irmã Dorothy
foi uma freira norte-americana naturalizada brasileira]
 
Salve Dorothy
Postado por bcamara - 13 - fev - 2011 às 11:53


O sexto aniversário do assassinato da freira Dorothy Stang em Anapu, no Pará, praticamente passou em branco no Brasil. Nilo D'Avila, hoje coordenador de políticas públicas do Greenpeace em Brasília e que na época da morte de Dorothy trabalhava na campanha da Amazônia, foi um dos poucos que não se esqueceu. Ele mandou mensagem para nossa equipe relembrando o dia em que a freira morreu. Vale ler o que Nilo escreveu:

"Foi num sábado, 12 de fevereiro de 2005. Por volta das 10h da manhã, cheguei no escritório em Manaus para trabalhar. Meu prazo para entregar o 1º esboço da pesquisa sobre soja estava vencendo e todo dia era segunda feira naqueles dias. Telefones tocando, atendo contrariado um deles e de sopetão recebo a notícia: mataram Irmã Dorothy Stang. Grande parte do time do Greenpeace na Amazônia estava, naquele dia, com a então ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, participando da assembléia de criação da associação comunitária da reserva extrativista Verde Para Sempre em Porto de Moz. Em Manaus me lembro de Marcelo Marquesini, Tica Minami e Cordelia iniciando um longo trabalho de filtragem de informação e apoio logístico. O fim de semana tinha acabado para nós e o trabalho de soja foi colocado em segundo plano.

Trinta e seis horas depois, a turma de Porto de Moz foi para Anapu e eu fui parar em Belém. Encontrei, no salão onde foi prestada uma homenagem a Dorothy antes de o corpo retornar para Anapu, vários desorientados e abatidos ativistas das causas sociais e ambientais que, como eu, tentavam entender o que estava acontecendo. Além de Dorothy, quatro lideranças dos trabalhadores rurais do Pará foram assassinadas naquele sábado. Era um plano? Nunca saberemos. Não fui para Anapu, mas o Greenpeace estava lá representado por Paulo, Carlos e outros.

Os dias que se seguiram foram agitados: O exército chegou, reservas foram criadas, prisões e julgamentos começaram a acontecer. Um enredo conhecido de reações, atrasadas do Estado ao assassinato de uma liderança que virou noticia. Foi assim com Chico, não foi assim com DEMA, Fusquinha, Brasília...

Lembro sempre dos telefonemas de Dorothy para o escritório. O sotaque forte do outro lado da linha e as coisas sempre ditas duas vezes para não deixar duvidas no interlocutor. Prosa rápida, sempre seguida de um aviso que tinha mandado mais uma denuncia para o IBAMA ... "você pode ajudar quem depende da floresta?"

Sempre tentando, sempre tentando Dorothy...

Salve Dorothy!
Anapu: Entidades homenageiam Dorothy e apóiam resistência
quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011


O ato público de homenagem a irmã Dorothy Stang e de solidariedade àqueles que continuaram a sua luta em Anapu ocorreu no início da tarde do dia 12 de fevereiro, no Centro de Formação São Rafael, local onde a missionária foi enterrada.

As caravanas presentes vieram de várias partes do estado do Pará. Belém, Ananideuma, Castanhal, Capitão Poço, Santarém, Altamira, Paragominas, Concórdia do Pará, Uruará foram algumas cidades citadas como presentes no evento, além de uma delegação do Maranhão, uma estudante de Goiás e ainda missionárias americanas da congregação de Notre Dame de Namur, da qual fazem parte outras missionárias que atuam na região, inclusive Dorothy.

O ato teve início com a fala da Superintendente do Incra de Santarém, Cleide Souza, que reafirmou os compromissos assumidos na audiência pública ocorrida no último dia 25 de janeiro

A dirigente anunciou que esteve em reunião com a Direção do Incra em Brasília que disponibilizou recursos para a imediata construção de guaritas de segurança nas principais entradas do assentamento, uma das principais pautas das famílias que estão acampadas no PDS Esperança.

A Senadora Marinor Brito (PSOL-PA) fez inicialmente uma fala de homenagem à Dorothy Stang para em seguida fazer um duro discurso contra a ingerência de políticos ligados ao Partido dos Trabalhadores na região. Marinor fez referência direta à governadora Ana Júlia Carepa, lembrando que por diversas vezes equipes de fiscalização ambiental e de segurança não foram enviadas para Anapu por interferência direta da petista, o que permitiu o crescimento da extração ilegal de madeira e o clima de violência.

Mary Cohen, representando a OAB no ato, lembrou os processos de prisões, ameaças e criminalização de lideranças e movimentos sociais em todo o estado do Pará.

Diversas entidades sindicais e movimentos sociais se sucederam em falas de homenagem, solidariedade e denúncias. Estiveram presentes a Central Sindical e Popular Conlutas; o Sindicato da Construção Civil de Belém; o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto; o Movimento Terra, Trabalho e Liberdade; o Movimento Xingu Vivo para Sempre; a União das Entidades Comunitárias de Santarém; a Federação das Associações de Moradores e Comunitárias de Santarém; a Consulta Popular; o Movimento de Atingidos por Barragens, o Conselho Indígena Tapajós-Arapiuns; Núcleo de Assessoria Jurídica Popular “Cabano”; a Comissão de Justiça e Paz da CNBB Regional Norte II; a Prelazia do Xingu; o Movimento Mulher; o PSTU e o PSOL.

O movimento estudantil esteve em peso com estudantes de várias partes do estado e de várias entidades: a Associação Nacional dos Estudantes-Livre; a União dos Estudantes de Santarém; o DCE da Universidade Federal do Oeste do Pará e diversos Centros Acadêmicos da Universidade Federal Rural da Amazônia.

Depois de encerrada a seqüência de intervenções, houve um ato simbólico em volta do túmulo de Dorothy, seguido de plantio de mudas na área do centro de formação.

As atividades da noite incluíram um jantar comunitário e uma festa dançante chamada “Forró da irmã Dorothy”. Apesar de soar estranho para alguns, as pessoas que conviveram com a missionária afirmam que mesmo nos momentos mais difíceis, Dorothy demonstravam muita alegria e fazer uma festa é uma das melhores formas de lembrá-la.

Sílvia Mota a Poeta e Escritora do Amor e da Paz
Divulgação/Homenagem

segunda-feira, 12 de setembro de 2016

Caridade ou solidariedade responsável?



Aclamada através do tempo e espaço por algumas religiões, por ser o caminho mais fácil para se alcançar o Paraíso, a esmola, sob o aforismo “Fora da caridade não há salvação”, apropriou-se do costume e do intelecto cognitivo dos povos, inoculando-lhes um vírus quase fatal, que contamina corpo e alma e ensina ao ser humano - subjugado aos seus encantos - os sintomas preferidos da mediocridade, que se iniciam na decadência da postura física, fixam-se num olhar desiludido e extravasam pela boca ou através de gestos mentirosos, amaldiçoados por uma infelicidade que se interpreta a bel prazer. Afirmo “quase” fatal, pois impossível e desumano ignorar os heróis circunstanciais, que renascem após os desesperos acendidos pelas vicissitudes insopitáveis da vida, entre outras, as calamidades sociais e naturais inesperadas, a doença e a morte, motivadas tantas vezes pelo jugo do poder político estabelecido.

De caráter inicialmente nobre, a palavra “esmola” perpassa os milênios num galope repleto de manipulada altivez, para alcançar o mundo contemporâneo sob a forma felina e ferina – camaleônica sedutora - que se individualiza no comportamento de cada indivíduo, quando inserido no corpo social.

Nesse jogo todo, o “Ser pedinte” aprisiona-se na própria mendicância e dali recusa-se a sair, por si mesmo ou por força superior. E, nesse jogo todo, o “Poder Estabelecido” engendra-o, forja-o aos seus interesses próprios, animando-o a degradar-se, cada vez mais, à corrupção inerente aos instintos selvagens contidos em todos os seres humanos. A partir da fatal constatação assiste-se à falsificação temporária da realidade material, no afã de dissimular um lúbrico discurso. Vedam-se os olhos e trancam-se os ouvidos do “Ser pedinte”, para que a pedincha oferecida transforme-se em objeto de manipulação de quem a proporciona sobre quem a recebe. Deflagra-se um circuito invisível e, portanto, pernicioso e covarde, de opressão do mais fraco pelo mais forte.

Como sucedeu em diversos momentos ultrapassados pela Humanidade, a época em trânsito vocifera contra as injustiças sociais sibilantes, sendo propícia à discussão e ao estabelecimento de políticas públicas que visem melhor qualidade de vida ao ser humano. Este é o momento das mudanças a serem estabelecidas pela consciência moral do povo, mudanças essas, às quais, filosófica e moralmente, seriam desnecessárias a criação de leis jurídicas, pois que se encontram nas águas direcionadas pelas margens dos princípios instituídos desde sempre, à revelia de qualquer lei (im)posta pelos humanos, provenientes do direito natural.

Esse desejo-utopia de contribuir em prol de uma sociedade civilizada e sã, na qual os cidadãos tenham condições de gerir suas próprias vidas, sob a proteção de um Estado Democrático de Direito, encontra-se enraizado, não na Caridade Cristã, mas nos Princípios de Solidariedade e de Responsabilidade, pertinentes ao mundo atual.

Mas, serão estes realmente suficientes?

Na Constituição brasileira de 1988, o Princípio de Solidariedade, também conhecido como Princípio de Integração ou Princípio de Solidariedade Comunitária, apregoa-se no seu Preâmbulo: “Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar [...] uma sociedade fraterna.” Encontra-se também inserido no art. 3º, incisos I e III, ao situar que os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil são construir uma sociedade livre, justa e solidária; e erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais. O princípio em destaque é ainda evidenciado em outros dispositivos, entre estes: art. 159, inciso I, alínea “c”; art. 43 e todos seus parágrafos e incisos; art. 151, inciso I; art. 159, inciso I, alínea “c”; art. 165, parágrafos 6º, 7º e inciso II do parágrafo 9º; art. 170 e seu inciso VII; caput do art. 192 e seu inciso VII; artigos 194 e 195; além dos direitos sociais previstos nos arts. 6º ao 11, assim como o parágrafo 10 do art. 34 das Disposições Constitucionais Transitórias.

O Princípio de Solidariedade diz respeito à defesa dos direitos de igualdade de tratamento, dos interesses coletivos, supra-individuais, gerais ou públicos. Como princípio jurídico, Javier de Lucas assim entende a Solidariedade: “[...] consciência conjunta de direitos e obrigações, que surgiria da existência das necessidades comuns, de similitudes (de reconhecimento de identidade), que precedam às diferenças sem pretender sua alienação.” Tal linha de pensamento busca oferecer ao cidadão, concomitantemente, um tratamento equitativo e sustentável e isto origina infindáveis críticas, em especial quando se põe em foco a liberação de verbas, reconhecidamente escassas em qualquer sistema que privilegie a dignidade da pessoa humana. Esta ideia não é uma novidade para o direito brasileiro, pois a dignidade da pessoa humana, o direito à vida e à liberdade são garantias individuais asseguradas pela Constituição Federal de 1988.

Em decorrência do exposto, outra inquirição se coloca: qual o significado da noção de dignidade humana aplicada ao indivíduo alocado na situação de miserabilidade humana?

Para aproximar os significados e compreendê-los frente às exigências atuais, parece interessante remontar às origens da noção, no século V a.C., onde plantam-se as raízes mais profundas, na humanitas grega. No pensamento grego encontra-se uma visão universalista do ser humano, cujo valor está em mostrar claramente a exigência ética do respeito universal ao outro, a qualquer outro, ao que se considera outro eu. Pela época de 106-43 a.C., dirá Cícero (De legibus, I, 10) a este respeito: “Nada há tão semelhante a outra coisa como um homem a outro. Qualquer definição do homem vale para outro. Ela somente resulta obscurecida na medida em que o homem se deixa levar pela corrupção dos costumes e pela variabilidade do ânimo.”

Este pensamento é mais tarde desenvolvido e enriquecido pelo Cristianismo. A noção plantada pelos judeus do homem à imagem de Deus universaliza-se, difundindo-se a máxima de que qualquer membro da espécie humana possui um valor absoluto. E ninguém, provavelmente, melhor que São Tomás de Aquino resume a impossibilidade de encontrar uma definição para o conceito de dignidade quando exara: “[...] o termo dignidade é algo absoluto e pertence à essência.” Premissa básica do jusnaturalismo é, portanto, o reconhecimento no ser humano de sua própria dignidade, tornando desprezíveis, eticamente, condutas incompatíveis com tal condição, premissa considerada também na proposição finalista kantiniana da pessoa.

Nesse anfiteatro, relevante proporcionar, para além das perguntas, possíveis soluções. E, sendo assim, Ângela Maria Rocha Gonçalves de Abrantes ressalta, que para implementar alguns dispositivos constitucionais o Brasil possui os chamados fundos constitucionais compensatórios, mecanismos de proteção às regiões nordeste/norte/centro-oeste: “[...] que visam minimizar as desigualdades econômicas e sociais ali existentes, reduzir a pobreza e acabar com os desequilíbrios existentes, ao tempo que objetivam patrocinar e incentivar o desenvolvimento dos Estados das citadas regiões.”

O Princípio de Solidariedade demonstra a ligação íntima entre o prejuízo da sociedade à vulnerabilidade de cada um dos seus membros, e, por tal razão, recomenda a reunião de todos para a suavização de infortúnios e defesa de agressões, constituindo-se um sistema protetivo organizado em conjunto, em prol do bem comum. Implícita na Solidariedade encontra-se a Igualdade, tanto de esforço realizado como de proteção obtida e, nas palavras dos cientistas Fermin Roland Schramm e Miguel Kotow: “[...] ali onde esta simetria se rompe, aparecem os abusos e as desproteções dos mais débeis.”

Como se percebe, o Princípio de Solidariedade aplicado isoladamente às políticas públicas, queda-se precário para resolver os complexos problemas sociais, porque se apregoa a solidariedade em situações de profunda diversidade de necessidades, independente das discrepâncias profundas de valores colocadas avessas à argumentação.

Adentra, portanto, na pauta da cogitação aqui originada, outro princípio a ser considerado como possível instrumento apropriado para a análise de questões morais divisadas pelas dificuldades enfrentadas pelos seres sociais: o Princípio de Responsabilidade, cujas diversas acepções possuem em comum a necessidade de cuidar de outro ser humano quando este se encontrar ameaçado em sua vulnerabilidade.

Alcançado este momento, faz-se necessário recuperar a origem do vocábulo Ética, cujo sentido primeiro é de refúgio e proteção.

Hans Jonas, filósofo alemão contemporâneo, assenta na base de sua ética o dever de responsabilidade com a totalidade do ser, preservando-o dos processos de aniquilamento. Esse pensamento corresponde a atuar de modo a não permitir que os atos adotados sejam devastadores para as futuras possibilidades de uma vida digna sobre a Terra. Nesta seara, destaca-se dos demais filósofos, quando indica o jaez ontológico da responsabilidade, ao preocupar-se com o futuro de uma Humanidade que ainda não existe. Esse tipo de responsabilidade, nas palavras do autor, constitui-se no “[...] arquétipo de toda a ação responsável, arquétipo que, felizmente, não precisa de nenhuma dedução a partir de um princípio, senão que se encontra poderosamente implantado pela natureza em nós.”

Ao menos três pontos de vista tornam, senão inexecutável, mas de intricada concretização esta proposta. Em primeiro lugar, a Responsabilidade - enquanto princípio moral - refere-se a seres identificáveis, o que dificilmente sobrevém, pois as instituições reservam suas diligências a uma população, por vezes, não delimitada com clareza e objetividade. Hans Jonas requer a responsabilidade com um ser da natureza e das futuras gerações, na busca de assinalar responsabilidades por tudo o que acontece ou venha a acontecer no mundo e, a um primeiro olhar, esse pensamento transforma-se numa forma quimérica de responsabilidade. Em segundo lugar, Hans Jonas destaca a responsabilidade em situações de incerteza, a exemplo daquelas que exigem posicionamentos prudentes, em razão da sua inconsistência científica. Deve-se ressaltar, que uma política exacerbada na reserva do incremento tecnológico insinuaria consequências inumeráveis para a sociedade, a começar pelo desemprego maciço, e sob o ponto de vista dos recursos em saúde, pela menor cobertura para os mais desprotegidos. Por conseguinte, esta solução dificultaria as ações coletivas. Em terceiro lugar, evidencia-se a questão da confiabilidade de técnicas de diagnóstico e prognóstico desenvolvidas no campo da biotecnologia e sua aplicação no âmbito social. Nos casos de prejuízo seria difícil, embora não impossível, detectar os liames causais entre atos individuais e consequências coletivas, a fim de imputar responsabilidades.

No campo em discussão, a Ética, por si só, vislumbra-se insatisfatória. Por tais razões, parece plausível uma visão da Responsabilidade no âmbito jurídico, além de trazer a lume o Princípio de Precaução ou Princípio de Proteção, o que tornará o tema, ao menos, transitável. Fundamenta-se o último princípio assinalado, na função estatal de resguardar a integridade física e patrimonial dos cidadãos, significando proteção e cobertura às necessidades essenciais, através das quais o afetado possa atender a outras necessidades e/ou outros interesses.

Fermin Roland Schramm e Miguel Kottow indicam as seguintes características: gratuidade, no significado de não existir o compromisso a priori de avocar atitudes protetoras; vinculação, no sentido de que uma vez assumida livremente converte-se em pacto irrenunciável; e cobertura das necessidades entendidas a partir do afetado. Segundo os referidos autores, o Princípio de Precaução/Proteção não se reduz ao Princípio de Beneficência ou a algum tipo de paternalismo: “A legítima moral da beneficência depende da avaliação do afetado, único a decidir se um ato será para ele beneficente.” No caso do paternalismo, cabe ao agente deliberar sobre o que seja benéfico ao afetado, independente ou mesmo contra a opinião do afetado. Observa-se, portanto, a diferença substancial entre os dois princípios, sobre o alcance do termo “proteção”. E, mais adiante, continuam seu discurso: “A ética de proteção deve ser entendida como um compromisso prático, submetido a alguma forma de exigência social, com o qual a proteção se transforma num princípio moral irrevogável, posto que agentes, afetados, tarefas e consequências devem ser bem definidos.”

Sobre esse ponto, Paul Ricoeur, pensador comprometido, militante e profundamente cristão, detentor do Grande Prêmio de Filosofia da Academia Francesa, aproxima-se do conceito de phronesis (prudência), em Aristóteles, que significa: “[...] sabedoria na deliberação, decisão e ação”, que deveria se transformar num princípio geral a priori, sob o qual se construiriam as responsabilidades individuais e coletivas.

Hans Jonas, por sua vez, também retoma o conceito de prudência, por embutir a existência da casualidade, da insegurança, do risco, da afoiteza e do ignorado, artifícios ínsitos à realidade científica. A prudência permite a detecção sensata da previsibilidade para com o futuro, tão necessária na discussão dos resultados. Ao seu embalo, escolhe-se o que é imperativo evitar. Por isso, a prudência expressa-se através da precaução, que se liga à sabedoria, à capacidade de identificar o que seja bom e/ou mau para o cidadão.

Outra pergunta impõe-se, talvez, na mente dos leitores: o que tem tudo isso a ver com o ponto inicial deste trabalho: a esmola que se oferece aos menos desprovidos de sorte?

Pois bem, em todas as áreas do conhecimento as situações devem ser entendidas por diversos aspectos e não somente encontrar apoio na posição arbitrária de quem provoca a discussão. O objeto deste trabalho não é a pedra insensível. Os sujeitos destacados são os seres humanos, que por sua natureza pensam, sentem e gozam de momentos felizes ou infelizes, que dividem justiças e injustiças no grupo social. Sendo assim, o discurso efetivado, até o momento, contextualiza a necessidade de defender que as relações entre indivíduos e sociedade, entre o “subjetivo e o objetivo” carecem de identificação. Cultua-se ainda a proeminência do poder de persuasão e coerção das intervenções do Poder Público, quando forçoso identificar os riscos e combater a discriminação.

Deve-se compreender a exigência de igualdade entre os cidadãos, através da vindicação de tratamento igualitário aos iguais, o que exige o estabelecimento de novos paradigmas de equilíbrio a serem aplicados como um pré-requisito ao estabelecimento da categoria cujos membros devem ser tratados com igualdade. Por tal razão e por sua desenvoltura própria, os temas Ética e Esmola, aproximam-se. É protuberante a necessidade de avaliar a tutela do Poder Público, como pretensão de cuidar do sujeito social, prevenindo os riscos e promovendo um meio ambiente saudável, no qual lhe sejam garantidas as necessidades mínimas.

No âmbito do conhecimento científico - que deve atuar no sentido de garantir a todos os meios para alcançar sua felicidade - a aplicação solitária dos princípios originários do anfiteatro da Ética tornam-se insuficientes. Mas, conquanto o sejam, ao menos tracejam caminhos para a afirmação de regras jurídicas que dignifiquem o indivíduo no que lhe é essencial - sua dignidade humana.

Ao final deste enredo, deve-se afirmar que não mais é suficiente apontar as falhas com o dedo em riste, nem emoldurá-las em palavras de semântica beleza, com base em critérios díspares e insatisfatórios, mas de apelo retórico polissêmico, que pela diversidade de interpretações, por si só, atrairão adeptos, na maioria das vezes ignorantes ao real significado do objeto almejado. Faz-se necessária uma atitude conjunta, entre Estado e Sociedade.

A depender de esforços individuais, irei ao encontro dos meus anseios profissionais e humanos, de contribuir para que nossas crianças e adolescentes, nossos homens e mulheres, que se espalham por esse imenso país, conscientizem-se do vício intragável que carregam, de exaltar a própria incompetência - hoje gritada aos quatro ventos, num ato (in)visível de acomodação, por ser mais fácil colocar a culpa da própria derrota, material e/ou intelectual, em outrem - no momento em que a entendem relevante para a fruição de algum bem, desejado a qualquer custo, inclusive sob o jugo da esmola, seja esta compreendida em qualquer âmbito da vida humana.

Cabo Frio, 8 de novembro de 2009 – 17h06
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